sábado, 17 de dezembro de 2011
Sonora Madrugada
domingo, 20 de novembro de 2011
Clichês
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
Razão Suicida
sábado, 20 de agosto de 2011
Dreamers
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
Sonhadores
sexta-feira, 8 de julho de 2011
Ronda Noturna
terça-feira, 7 de junho de 2011
Tempestades De Verão
sexta-feira, 13 de maio de 2011
Um Drink Antes do Inferno
Drink Cristal era o nome da boca. Soava como nome de zona de beira de estrada, o que de fato era, mas com o particular agravante de ser praticamente dentro de um arrozal. Conforme o costume, tinha uma luz vermelha sobre sua porta de entrada, que denunciava ou indicava aos viajantes a verdadeira finalidade do local. Há muito que eu hesitava em cruzar aquele umbral, se é que zona tem disso. Porém aquela noite tinha sido demasiado funesta para ir direto para a casa.
Sempre imaginara a perda do emprego como um fato ordinário a que todos estamos sujeitos, mais ou menos como a fatalidade da morte. Um evento objetivo causal, possível dentro da normalidade dos acontecimentos históricos de um homem. Porém quando aconteceu comigo, pareceu-me a maior das tragédias humanas. Estava numa situação onde o trabalho era minha única conexão com a realidade, não que eu o adorasse como exclusiva finalidade de vida, mas era o que havia me restado.
Acredito que exista uma fina ironia universal, é a mais cabal prova da existência de uma forma de inteligência que rege o mundo. Deus não é uma criança com uma lupa, é um roteirista com senso de humor duvidoso. Afirmo isto com base no encadeamento lógico que me deixou na porta deste puteiro maldito. Larguei o mestrado por causa dela e das crianças – pouco tempo, pouca grana, muita encheção – ela me largou por causa de um doutor em dermatologia (não sabia que existia doutorado em pomadas) e perdi o emprego devido ao estado calamitoso que me encontrava sem minha estrutura familiar.
Elaborei esta teoria enquanto voltava da empresa após a dispensa, dirigia amargurado, com um vazio no estômago e com a garganta trancada. Totalmente perdido, não sabia o que fazer ou para onde ir. Um misto de rancor e de indiferença brigavam dentro de mim no preciso momento em que vislumbrei ao longe a luz vermelha. Uma decisão ao menos eu havia tomado.
O lugar era pior do que eu imaginava, menor e mais sujo, parecia uma sala de espera do Inferno. A disposição das cadeiras, a posição do bar ao fundo e uma porta fechada passando o balcão, davam ao ambiente esta diabólica impressão. No momento que adentrei o lugar todas as atenções se voltaram para mim, constrangido, não consegui olhar para o rosto das poucas pessoas do local e caminhei automaticamente até o bar. Atrás do balcão a garçonete parecia uma recepcionista de consultório em trajes inapropriados para a função. Como isso? De coque, óculos e cara de tédio.
Antes que pudesse pedir uma cerveja, a garota levantou os olhos e perguntou-me o nome. Espantado, olhei ao redor com mais calma e percebi que apesar da música e da iluminação típica de zona, as poucas garotas que havia estavam sentadas lendo revistas, assim como os homens do lugar. Um calafrio me subiu pela espinha até a nuca. Olhei para a garota e respondi entre engasgos. Ela consultou um caderno e rebateu após alguns instantes – Seu nome não está na lista de hoje.
Neste instante, a porta do fundo se abriu fazendo um barulho medonho, um bafo quente invadiu a sala e a mulher mais linda que já havia visto na minha vida surgiu e chamou por um nome que não me recordo. As pessoas sentadas se entreolharam, um sujeito se levantou e caminhou até a porta, aquela musa macabra, ruiva e flamejante, acompanhou o coitado até a porta com uma volúpia sem precedentes.
Boquiaberto, virei para o balcão, a garçonete/recepcionista olhou-me por cima de seus óculos com uma terrível malícia e disse que poderia me encaixar num horário se eu assim desejasse. Apavorado com a possibilidade de cruzar aquela porta, gaguejei algo incompreensível, e resoluto me pus em retirada da pocilga. Antes de atravessar a porta, porém, me virei e contemplei aquele triste ambiente. Foi o meu fim. Soltei um longo suspiro, voltei ao balcão e marquei a minha hora.
domingo, 27 de março de 2011
Beat Girl
Ela gostava de jazz. Apenas este fato já bastaria para despertar meu interesse. Era a primeira garota que eu conhecia que curtia jazz, não esse eletrojazz que rola nas rádios por aí, mas jazz clássico, de Brubeck e Coltrane. Talvez este anacronismo não fosse tão raro na cidade grande quanto parecia para mim, mas de fato ela toda parecia como que oriunda de uma outra época. Seus traços remetiam a uma inocência há muito perdida e eram acompanhados de uma melancolia permanente no olhar que lhe davam uma impressão ainda mais nostálgica. Fumava e falava com uma calma que literalmente hipnotizava os espectadores, que perdidamente buscavam seus grandes olhos entre nuvens de fumaça.
Conhecia quase todo o velho mundo e era surpreedentemente apenas alguns anos mais velha que eu. Junto a ela me sentia angustiado, como se estivesse até então na ante-sala da vida, esperando todos estes anos para descobrir este universo de infinitas possibilidades que ela me apresentava. Lugares, músicas, filmes, conhecia tantos e tão bem que me perguntava onde havia arranjado tempo para tanto.
Não consigo lembrar de como a conheci, creio que foi ganhando contornos e relevância conforme a descobria mais detalhadamente. A cada conversa ela ia conquistando mais espaço sobre minha mente, sempre versava sobre temas interessantes e possuía opiniões originais sobre quase todos assuntos. Sua influência sobre mim foi muito intensa, ao passo que em dois meses eu estava profundamente dependente daquela presença, nada mais me interessava além dela.
Uma noite estávamos num bar beatnik próximo da minha casa, cuja existência eu desconhecia, entre baforadas e batidas quando ela subitamente parou. Um sujeito havia entrado no bar e cortado sua respiração. Percebi no instante que havia algo errado, ela se recompôs e ensaiou um conversa desconexa, sua mente estava no balcão. Questionei-a sobre o cara, o óbvio ocorreu, era seu ex que a havia abandonado em Amsterdã no ano passado. Voltei sozinho para casa aquela noite.
Minha dúvida chegara ao fim, um convívio intenso com um cara mais experiente num apartamento cult, em alguma metrópole intelectual da Europa havia possibilitado uma experiência inesquecível. Como eu poderia competir com isto, meu universo limitado não me disponibilizava recursos para tanto. O cara era um sacana, largou ela sem dar nenhuma explicação, não sei se isto não contava a seu favor, mas ele era o cara que a iniciou e lhe ensinou tudo que sabia. Estava fadado à derrota.
De fato nunca mais fui procurado. Algum tempo depois ouvi falar que voltaram para a Europa. Quanto a mim, após esta experiência tratei de nunca mais me empolgar tanto, fiquei mais calmo e cético em relação as pessoas. Atualmente frequento bares esfumaçados em noites de jazz, impressionando novatas com poemas e filosofias pseudo-existencialistas...
quarta-feira, 9 de março de 2011
Garrett
Existe uma imagem que me ocorre com frequência, sua origem remete a histórias em quadrinhos e a mim parece a forma mais adequada para descrever a situação em questão. Trata-se de um local escuro, um tubo luminoso projeta imagens irregulares sobre alguém que não parece muito interessado. Há uma cerveja numa mão e um controle remoto na outra, a luz segue piscando contra seu rosto enquanto troca de canais aleatoriamente. Em uma sequência de quadros intercalados por um “zap” as mais diversas cenas surgem, acompanhados pelos mais esquisitos diálogos - noticiários de política externa, talk shows, programas de vendas e reality shows imbecis sucedem-se num mosaico medonho que por um breve instante de lucidez nos faz pensar que percebemos a realidade como um todo. Como se houvesse uma espécie de código por trás de toda essa informação e publicidade que nos permitisse ler as entrelinhas da humanidade e ver com clareza sua atual conjuntura, e a partir daí verificar seu provável rumo. Mas este instante é muito fugaz, ou o futuro muito desanimador, para que possamos fixar estas impressões, que facilmente escapam por entre os dedos deixando apenas a tela pulsante a nossa frente.
Talvez um estado de espírito entediado defina previamente esta situação, porém creio que a péssima qualidade dos programas favoreça o fluxo intenso de canais, contribuindo assim para o fenômeno descrito. Contudo, esta pretensa percepção não deve passar de uma ilusão absurda, uma vez que os programas televisivos, mesmo aqueles que se dizem informativos, são essencialmente formas diminutas e simplificadas de informação, feitos para serem digeridos o mais rápido possível sem o mínimo de critério. Logo, pensamos estar absorvendo criticamente esta grande massa de informação, enquanto que de fato estamos à deriva num oceano de publicidade sem conseguir se fixar numa bobagem exclusiva.
Porém as infinitas possibilidades permitidas pelo universo dos quadrinhos nos autorizam a imaginar uma pessoa com uma prodigalidade tal, capaz de não apenas reter um imenso fluxo de informações, mas de relacioná-las instantaneamente através de várias telas de forma simultânea. Supondo assim um indivíduo capaz de elaborar um panorama adequado a nossa teoria. Os fins para que usaria suas habilidades não seriam previamente definidos, mas a televisão como fonte de seus poderes sugere algo de pessimista, uma espécie de anti-herói desencantado com o mundo, relutante em acompanhá-lo e dele tomar parte. Seria alguém solitário, quase misantropo, capaz de usar suas faculdades em benefício próprio e de formas egoístas.
Analisando melhor seria um personagem chato, sacal em sua essência e existência, e precisaria de um ótimo roteirista e um bom contexto para gerar boas histórias. Mas seria um “herói” adequado e verossímil a realidade urbana moderna, onde a arquitetura, os indivíduos e seus hábitos permitem uma impessoalidade e um anonimato quase que total a seus habitantes.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Ensaios
Noite de verão, um calor intenso e uma umidade não precipitada pesam no ar. Não conheço melhor maneira de começar a escrever do que a descrição do ambiente, acho que é uma fórmula fácil, um clichezão barato, mas que possui suas finalidades e praticidades, como a localização rápida dos personagens no cenário. Saio para a varanda na expectativa de refrescar a mente e curtir o céu, mas não há estrelas, uma barreira de nuvens escuras se interpõe às constelações.
Tento fugir do estilo, se é que possuo um, porém minhas limitações impedem. Ouço um vizinho insone lavando suas roupas durante madrugada num andar superior, talvez ele relaxe sua mente através do trabalho doméstico. Meu cigarro insiste em apagar, talvez seja melhor mantê-lo assim, tem um cara com um tubo enfiado na garganta na contracapa do pacote. Meu avô morreu de câncer no esôfago.
Outro cacoete que me persegue, a autobiografia. Minha namorada afirma que meus contos são todos muito autorais, que não consigo me distanciar dos personagens. Enquanto isso morcegos chilram sobre minha cabeça, não tenho certeza se o som que o morcego emite pode ser considerado um chilro. Pouco importa. Acendo novamente o cigarro.
Escuto agora o som do chuveiro no andar da lavagem das roupas. Quem sabe meu vizinho não seja uma linda mulher que refresca seu corpo esguio deste calor grudento e opressivo. Ou talvez um gordo escroto que se masturba enquanto lava sua bunda imensa. Prefiro crer na primeira hipótese, fica mais bem escrito e é uma imagem melhor de se elaborar.
Após uns quinze minutos de reflexões, elaborações e autocrítica sinto-me mais leve e sonolento, perdi a vontade de escrever e me retiro para o interior do apartamento.


