sexta-feira, 8 de julho de 2011

Ronda Noturna


Eram sempre assim as noites no cais do porto, frias e vazias. Houve uma época em que éramos vários vigilantes a fazer a ronda noturna do local, costumávamos nos encontrar durante as refeições para conversar e rir um pouco. Hoje em dia sou o único que restou. Responsável por guardar vários quilometros de margem do Guaíba, caminho por entre docas e navios como um fantasma pela noite.
No inverno o frio é mais intenso e a solidão mais pesada, as horas se arrastam vagarosamente pelo meu velho relógio de pulso enquanto caminho por entre brumas. Às vezes faz tanto frio e o meu corpo está tão cansado que tenho vontade de me aninhar num canto e dormir a noite inteira. Mas nunca consigo, um maldito senso de dever, ou sei lá o que, me obriga a realizar no mínimo uma ronda por turno.
É um trabalho estúpido e frequentemente me pergunto quanto tempo ainda vai durar antes que alguém mais perceba isto. Não temo pelo emprego, creio que seria um imenso incentivo para buscar algo diferente, afinal ninguém sonha em ser vigilante de docas para a vida toda. Sempre gostei dos navios, acho que foi isso que me atraiu no início, seus cascos imensos e imponentes representavam para mim uma porta para o mundo, uma fuga para o insondável oceano.
Alguns já são velhos conhecidos e estão atracados aqui a mais de duas décadas. Gigantes de metal, adormecidos e abandonados à própria sorte. Por uns sinto uma simpatia quase familiar, uma verdadeira admiração por sua trajetória de viagens e aventuras, por outros, uma repulsa horrenda. São sinistros e escuros mesmo a luz do dia. Estão envoltos em histórias ruins e a noite parecem habitados por almas castigadas.
Todas as noites percorro o mesmo trajeto sem a esperança de encontrar algo diferente, uma ironia eu pensar nos navios como portadores de aventuras e emoções e realizar uma rotina junto a eles tão enfadonha e permanentemente inalterada. A noite vai se estendendo assim, por entre meus passos lentos e os ruídos surdos dos animais notívagos.
Porém, antes de amanhecer, como numa última ofensiva da noite contra o dia, a temperatura despenca ainda mais. No leste, o portador da luz já é contrastado ao fundo por tons azuis. É o meu instante favorito. O turno está no fim, a névoa sobre a água começa a se dissipar lentamente e o calor vai aumentando conforme os primeiros raios de sol vão surgindo.
Se há algum simbolismo ou poesia neste trabalho é neste preciso momento, quando mesmo no rigor do inverno mais intenso ou na noite mais longa do ano, o sol reafirma o seu destino e nasce mais uma vez no horizonte, garantindo o calor e a vida como era esperado, mas não fatalmente garantido. Eu contribuo como posso, suportando e observando daqui, enquanto ele suporta e batalha de lá.

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