Quando o sexo era bom este era o comportamento habitual, esgueirava-se para fora da cama e postava-se de frente para a escuridão. Às vezes a fumar, outras a beber, ficava ali durante muitos minutos refletindo e divagando. Nestes momentos nunca conversava, apenas calava e mirava.
No começo estranhei a atitude, achando que havia feito, ou dito, algo de errado para tal. Com o passar do tempo acostumei-me com o ritual. Normalmente limitava-me a apreciar aquela bela silhueta reflexiva enquanto me perdia em meus próprios devaneios até cair num sono sereno e tranqüilo.
Mas esta noite, antes que eu pudesse adormecer completamente, ela virou-se para mim e encarou-me com seu corpo despido, levemente eriçado pela brisa e fracamente iluminado pelo luar. Parecia ainda mais linda do que o habitual. Seu semblante sereno tomara a forma de uma leve expressão de dúvida e sua postura desafiadora lembrava-me uma Esfinge que de forma indiferente propunha: Decifra-me ou te devoro.
Intimamente suspeitava que esta hora chegaria, todo aquele pensar culminaria em alguma conclusão que inevitavelmente seria comunicada a mim em algum momento. Desconhecia o tema e o método, mas sabia que traria alguma implicação para minha pessoa. E lá estava ela, rígida e imóvel como uma estátua de alabastro a me encarar. O próximo passo era meu, e seria fundamental para o futuro do nosso relacionamento.
Hoje creio que a melhor escolha teria sido fechar os olhos e simular um sono profundo, ao invés de um inocente “O que foi?”. Ela aproximou-se da cama e friamente perguntou o que era o amor para mim. Era uma pergunta capciosa, daquelas que não há uma resposta certa. Pensei rapidamente em responder que para mim era uma ilusão, uma fantasia que criávamos e buscávamos para nos sentir bem, mas no último instante cedi à alternativa romântica da complementaridade das almas. Em seguida perguntou-me maliciosamente se eu a amava. Ao que prontamente respondi com uma afirmativa efusiva. A essa altura já estava parcialmente devorado pela bela criatura mitológica, mas só percebi quando adveio a terceira e última pergunta do enigma “E por que não o praticas conforme descreveu?”.
Argumentei como pude, um pouco confuso e desconexo confesso. Porém ela foi inflexível na sua conclusão, afirmou que eu era platônico e incongruente, que idealizava o real e praticava algo totalmente divergente. Em suma, que vivia em um mundo inteiramente descolado da realidade e que assim a estava prejudicando. Foi aí que subitamente caíram-me os butiás dos bolsos e pude compreender a situação: “Fodeu! A sonhadora era empirista.”.



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