Existe uma imagem que me ocorre com frequência, sua origem remete a histórias em quadrinhos e a mim parece a forma mais adequada para descrever a situação em questão. Trata-se de um local escuro, um tubo luminoso projeta imagens irregulares sobre alguém que não parece muito interessado. Há uma cerveja numa mão e um controle remoto na outra, a luz segue piscando contra seu rosto enquanto troca de canais aleatoriamente. Em uma sequência de quadros intercalados por um “zap” as mais diversas cenas surgem, acompanhados pelos mais esquisitos diálogos - noticiários de política externa, talk shows, programas de vendas e reality shows imbecis sucedem-se num mosaico medonho que por um breve instante de lucidez nos faz pensar que percebemos a realidade como um todo. Como se houvesse uma espécie de código por trás de toda essa informação e publicidade que nos permitisse ler as entrelinhas da humanidade e ver com clareza sua atual conjuntura, e a partir daí verificar seu provável rumo. Mas este instante é muito fugaz, ou o futuro muito desanimador, para que possamos fixar estas impressões, que facilmente escapam por entre os dedos deixando apenas a tela pulsante a nossa frente.
Talvez um estado de espírito entediado defina previamente esta situação, porém creio que a péssima qualidade dos programas favoreça o fluxo intenso de canais, contribuindo assim para o fenômeno descrito. Contudo, esta pretensa percepção não deve passar de uma ilusão absurda, uma vez que os programas televisivos, mesmo aqueles que se dizem informativos, são essencialmente formas diminutas e simplificadas de informação, feitos para serem digeridos o mais rápido possível sem o mínimo de critério. Logo, pensamos estar absorvendo criticamente esta grande massa de informação, enquanto que de fato estamos à deriva num oceano de publicidade sem conseguir se fixar numa bobagem exclusiva.
Porém as infinitas possibilidades permitidas pelo universo dos quadrinhos nos autorizam a imaginar uma pessoa com uma prodigalidade tal, capaz de não apenas reter um imenso fluxo de informações, mas de relacioná-las instantaneamente através de várias telas de forma simultânea. Supondo assim um indivíduo capaz de elaborar um panorama adequado a nossa teoria. Os fins para que usaria suas habilidades não seriam previamente definidos, mas a televisão como fonte de seus poderes sugere algo de pessimista, uma espécie de anti-herói desencantado com o mundo, relutante em acompanhá-lo e dele tomar parte. Seria alguém solitário, quase misantropo, capaz de usar suas faculdades em benefício próprio e de formas egoístas.
Analisando melhor seria um personagem chato, sacal em sua essência e existência, e precisaria de um ótimo roteirista e um bom contexto para gerar boas histórias. Mas seria um “herói” adequado e verossímil a realidade urbana moderna, onde a arquitetura, os indivíduos e seus hábitos permitem uma impessoalidade e um anonimato quase que total a seus habitantes.



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