Num raro momento fora da rotina a conheci, na oportunidade me
esforcei por apresentar o melhor de mim e disfarçar o pior. Pois ela
exalava uma inocência há muito esquecida em minha vida e temi
assustá-la com meus desvios de caráter. Seus olhos doces e sorriso
acanhado continham um frescor capaz de envergonhar o mais devasso dos
lascivos, inibindo assim meu lado mais sórdido. Por isso decidi
manter-me tranquilo, estava satisfeito em conhecê-la e desfrutar de
sua companhia.
Sabendo o final da história há quem me acuse de astuto e
dissimulado por essa atitude inicial, mas juro que procedi sem
segundas intenções. Quer dizer, pelo menos nesse começo de
conversa. Mas acontece que dois jogam este jogo e talvez minha
primeira leitura do tabuleiro estivesse equivocada, pois me vi, após
uma longa conversa íntima, enredado em uma teia de sedução onde
cada movimento me atraia em sua direção.
Percebi um tanto inseguro a situação e decidi abandonar a defensiva, suspendendo temporariamente os
pudores que me prendiam.
Ainda meio bobo com o encantamento, procurei decifrar aquela bela figura
sentada ao meu lado. Até onde minha vista alcançava usava um
vestido estampado com flores coloridas e sapatilhas escuras, braços
esguios e lindas pernas corriam para fora da veste. Uma leve penugem
cobria sua pele morena e eriçava-se deliciosamente com a brisa.
Por via das dúvidas movi-me com cautela, contornando fronteiras e
cotejando limites. No interstício de nós dois havia uma zona
ambígua, relativamente segura e confortável, mas potencialmente
perigosa. E ali habitamos durante algum tempo. Porém esse frágil
equilíbrio caiu por terra quando ela expressou de forma
despretensiosa seu afeto por mim. Dali em diante aquela condição tornou-se
insustentável, a sorte foi lançada e o próximo movimento era meu.
A esta altura eu já havia abdicado do controle da situação, porém notava certa perturbação em suas maneiras. Desviava o olhar com
frequência e parecia não suportar os momentos de silêncio que
pesavam entre nós. Passei então a fomentar essa tensão rumo
a uma ruptura. Ainda havia uma ternura no ar, mas o desejo começava
ganhar terreno e manifestar-se nos esparsos contatos que ocorriam e
lhe davam contida vazão.
Acariciei de leve seu braço enquanto falava e quase pude ouvir seu
coração acelerar, cada toque meu era correspondido com uma onda de
energia que fluía em minha direção e ampliava minha vontade de
sentir sua pele. A tensão aproximava-se do ápice. Meio sem pensar,
ajeitei uma mecha que pendia sobre seu rosto e a encarei, passei os
dedos por trás de sua orelha e os desci até a parte posterior de
seu pescoço. Não havia mais volta. Senti os pelos de sua nuca
arrepiarem-se e inclinei o rosto em sua direção.
Todavia, não há nada mais imprevisível nesta realidade cósmica do
que a contraparte feminina do gênero humano. Não que haja algum
demérito nisso, pelo contrário, esse é um dos seus mais
importantes atrativos e fonte de encanto. Porém, essa característica
tende a frustrar algumas expectativas de seus pares, como a minha naquele momento.
Sua negativa foi a mais gentil e carinhosa possível para aquele
contexto, mas confesso que não o suficiente para convencer-me. Na
despedida, pensei eu, a despedida é infalível. Após esse auto estímulo retomei a naturalidade forçada e prosseguimos pelas
bordas. Seus olhos pareciam suplicar para que eu não desistisse e
seu corpo ansiava pelo toque, encontros ocasionais ocorriam com uma
frequência intencional e duravam além do esperado.
Tudo se encaminhava para o clímax da despedida, inclusive nós
caminhávamos lado a lado rumo ao ponto em que nos separaríamos. No
momento esperado peguei na sua mão e a encarei de novo, ela sorriu
longamente um sorriso tímido, baixou os olhos e beijou-me a face. Segurei-a contra
mim buscando reter o máximo possível daquele momento, até ela se
esvair por completo pelos meus braços. Li todos os sinais emitidos e
fiz o máximo possível para conquistá-la, porém, apesar do
inconfundível gosto da derrota na boca, fiquei com a impressão de
que nem sempre o desfecho é o mais importante.


