“Vou pro Rio, casar”. Ela me disse, sem
rodeios ou preâmbulos, na última vez em que nos encontramos para um café. Aquilo me surpreendeu de tal forma que não
tive forças para formular nada melhor que um débil “Como”? Seguido de um
hesitante “Com quem”? Ela então sorriu e me explicou que estava apaixonada, que
havia conhecido esse cara, um dentista ou algo assim, e que iriam se casar em
algumas semanas.
Não consegui prestar a devida atenção aos
detalhes, pois estava atônito com a notícia. Já havia previsto que isto ocorreria
algum dia, mas jamais imaginei reagir de maneira tão pueril. Na verdade,
temia secretamente por este momento. Conhecia-a de longa data, éramos grandes
amigos e amava-a incondicionalmente, porém nunca tive coragem suficiente para
admitir minha afeição.
Pois ela sempre foi uma daquelas raras
pessoas em que o corpo parece não comportar o espírito, cujo brilho parece
extravasar pelos olhos e boca quando sorri. Enquanto eu, não passava de um chato
meticuloso que nunca conseguiu acompanhá-la em seu intenso ritmo de viagens e
reviravoltas. Dotado de uma sobriedade categórica, sou incapaz de lidar com o
imprevisível e por isso temia uma irreversível incompatibilidade entre nós.
Porém, estimava-a demais para sentir-me
feliz por ela. Juro que tentei, mas, para ser sincero, invejei profundamente o
rapaz responsável por aquela alegria naquele momento. Ele provavelmente a
acompanharia em todas suas andanças e viagens ao redor do mundo, seria seu
amante e confidente. Quanto a mim, restaria aguardar melancólico por seu
retorno, por um convite para um mate e uma conversa ocasional.
Ainda recordo com carinho a primeira vez
em que me convidou para viajar, seu plano adolescente consistia em abandonar
tudo e cair no mundo. Não tinha roteiro, metas ou prazos, tudo que possuía era
uma vontade imensa de conhecer lugares e pessoas diferentes. Pretendia pegar a
estrada a pé ou pedindo carona se necessário, os detalhes eram supérfluos.
Lembro-me de ter tentado dissuadi-la, mas foi em vão, na época era ainda mais
teimosa e idealista. E nenhum argumento lógico ou racional era capaz de
demovê-la de suas convicções.
Somado a isto, era dona de um espírito livre irrepreensível e de um
lindo sorriso entreaberto, único, levemente cerrado e capaz de desarmar
qualquer tempestade. Em outras palavras, possuía o mundo a sua frente e uma
vontade imensa de sorvê-lo. Vontade esta que se renovava a cada novo destino
descoberto e fortalecia-se no interior de sua lógica insaciável, onde cada
paisagem, pessoa ou cultura conhecida, levava a outra ainda mais distante.
Aquilo se tornou seu modo de vida. E
impulsionada por esta dinâmica conheceu lugares e percorreu distâncias que eu
jamais sonharia em realizar. Porém, por mais longe que fosse sua aventura, mesmo
nos destinos mais deslumbrantes, sempre retornava para a casa antes de iniciar
uma nova jornada. Como o barco que vai ao largo à busca de peixes maiores, mas
só cumpre seu destino quando retorna ao porto.
Nestes curtos intervalos entre partidas eu
aproveitava para conhecer o mundo em sua companhia. Através de seus relatos
deliciava-me com praias longínquas e culturas exóticas, acompanhava cada passo
de suas viagens com entusiasmo, mas sem os riscos e desconfortos geralmente
envolvidos. Mas agora tudo isto estava ameaçado, não retornaria mais para casa
e eu certamente perderia o privilégio de principal interlocutor, além disto,
qualquer esperança de revelar meus sentimentos tornava-se ainda mais remota.
Convidou apenas seu círculo familiar mais
estreito e alguns amigos íntimos para o evento. Fiz questão de inventar uma
desculpa canastra para não aparecer, ao que ela respondeu com uma magoada
indiferença. Mas ouvi falar que do lado do noivo os preparativos foram grandes.
Anunciada nas colunas sociais mais bacanas do Rio, a festa prometia bolo, banda,
bugigangas e incontáveis barris de chope.
Só não estava previsto o imenso barraco
que se armou quando sua futura sogra foi lhe buscar, após quarenta minutos de
atraso, e acabou barrada por seu pai na porta do quarto. A velha enfurecida com
o atraso, que estava sendo transmitido por uma emissora local, se pôs a
despejar uma série de impropérios contra a porta que a detinha. Mais tarde me confessou que ficou apavorada
com toda aquela estrutura e cerimônia. Não se reconhecia em nada daquilo e não
tinha mais certeza se o queria. Porém, foi somente no momento em que a velha
começou a gritar em cifras e quinhões que percebeu seu erro.
Partiu no mesmo dia para Galápagos, e por
lá ficou durante umas duas semanas incomunicável. Dias depois de voltar para a
casa descobriu que seu antigo noivo havia noivado novamente, desta vez com a madrinha
que o havia consolado após sua fuga. No mais recente encontro que tivemos para o tradicional café, revelou-me que isto não a entristecia, pelo contrário, expiava toda a culpa e tornava-a ainda mais disposta para retomar sua vida.
Disse-me, porém, que no momento não
planejava grandes viagens, pensava em ficar um pouco por aqui e conhecer melhor
a região. Após proferir esta resolução me convidou para uma caminhada pela serra vizinha
no final de semana. Indeciso, fiquei de pensar na resposta. Ela sacudiu ligeiramente a cabeça,
me lançou um daqueles sorrisos e despediu-se.
Não tenho certeza sobre a intencionalidade
do ato, mas ao aproximar meu rosto para beijar sua face, senti o canto de seus
lábios tocarem sutilmente os meus. Recostei-me desnorteado na cadeira enquanto ela partia novamente, aquele ínfimo
fragmento de lábios bastou para elevar meu estado de espírito à
condição de indomável. Tanto que estou seriamente pensando em comprar um
tênis para caminhadas amanhã.


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