Não consigo lembrar de como a conheci,
creio que foi ganhando contornos e relevância conforme a descobria em detalhes.
A cada conversa, sorriso e reticência ela conquistava mais espaço em minha
mente, sempre versava sobre temas interessantes e possuía opiniões originais
sobre quase todos assuntos. Sua influência sobre mim foi muito intensa, ao
passo que em dois meses eu estava profundamente dependente daquela presença, e
nada mais me interessava além de sua companhia...
Ela insiste em dizer que é só pele. Percorro
todo seu corpo com dedos, olhos e alma. Mas ela diz que é só pele. Anseio por
seus lábios, cheiro e companhia. E ela repete que entre nós só há pele. Penso que deve
ser alguma defesa, um tipo de barreira para manter-se distante. Mas não
consigo aceitar esta restrição que limita meus sentimentos. Transforma e
objetiva a relação, reduzindo toda a contradição a uma simples
questão de pele...
Sardas, sinais e mais sardas espalhavam-se
pelo seu corpo curvilíneo. Naquela meia luz, deitada nua sobre o sofá estava a
única garota que considerava capaz de amar pela eternidade. No fundo sabia não
ser possível amar alguém com essa intensidade por tanto tempo. Porém havia
bebido o suficiente para ignorar tais argumentos. Naquele instante, admirando aquela linda garota a minha frente, me permiti divagar e sonhar o mais ingênuo
dos sonhos. Sonhei que podia ser ela quem preencheria todas minhas
expectativas, ainda que não estabelecidas e por vezes contraditórias...
No princípio amei toda sua espontaneidade,
movida por um espírito de viver imprevisível e incontrolável, capaz de me encantar todos os dias. Seu olhar doce escondia um desafio quase
que permanente, instigando-me sempre a coisas novas e inesperadas. Porém era
instável. Sua mente ativa oscilava da felicidade radiante ao mais soturno dos
humores em minutos. Deixando-me desnorteado com a transformação. Por vezes, me
controlava para não abandoná-la a seu próprio desequilíbrio. Um esforço pequeno
comparado ao prazer de acordar ao seu lado nas manhãs ensolaradas...
Tal qual o entardecer de um outono
qualquer ela chegou lentamente. Quase imperceptível expandiu-se em
silêncio. Primeiro surgiu como um palpite, uma intuição incerta sobre a qual
apenas adivinhava a proximidade. Mas seu processo foi gradual, logo me distrai
e a esqueci, para na sequência constatá-la em sua totalidade. Não havia mais
espaço para a dúvida. Anoiteceu de fato e a rotina tomou conta da relação. Mas
o que fazer? Antevi a distância, intui sua presença, mas assim como o ocaso,
nada pude fazer para evitá-la...
Quando partiu percebi o quanto a amava,
não apenas pelo vazio presente em cada objeto e peça da casa, mas
pela ausência do propósito de viver que me assolou. Uma cumplicidade como a nossa não deixa margens para recomeços tardios. Me restou de
consolo a expectativa de unir-me novamente a ela. Mas como não tenho coragem para
abreviar a espera, aguardo. E enquanto aguardo recordo, do que não lembro... invento.


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