domingo, 31 de agosto de 2014

Amores do Ofício

Não consigo lembrar de como a conheci, creio que foi ganhando contornos e relevância conforme a descobria em detalhes. A cada conversa, sorriso e reticência ela conquistava mais espaço em minha mente, sempre versava sobre temas interessantes e possuía opiniões originais sobre quase todos assuntos. Sua influência sobre mim foi muito intensa, ao passo que em dois meses eu estava profundamente dependente daquela presença, e nada mais me interessava além de sua companhia...

Ela insiste em dizer que é só pele. Percorro todo seu corpo com dedos, olhos e alma. Mas ela diz que é só pele. Anseio por seus lábios, cheiro e companhia. E ela repete que entre nós só há pele. Penso que deve ser alguma defesa, um tipo de barreira para manter-se distante. Mas não consigo aceitar esta restrição que limita meus sentimentos. Transforma e objetiva a relação, reduzindo toda a contradição a uma simples questão de pele...

Sardas, sinais e mais sardas espalhavam-se pelo seu corpo curvilíneo. Naquela meia luz, deitada nua sobre o sofá estava a única garota que considerava capaz de amar pela eternidade. No fundo sabia não ser possível amar alguém com essa intensidade por tanto tempo. Porém havia bebido o suficiente para ignorar tais argumentos. Naquele instante, admirando aquela linda garota a minha frente, me permiti divagar e sonhar o mais ingênuo dos sonhos. Sonhei que podia ser ela quem preencheria todas minhas expectativas, ainda que não estabelecidas e por vezes contraditórias...

No princípio amei toda sua espontaneidade, movida por um espírito de viver imprevisível e incontrolável, capaz de me encantar todos os dias. Seu olhar doce escondia um desafio quase que permanente, instigando-me sempre a coisas novas e inesperadas. Porém era instável. Sua mente ativa oscilava da felicidade radiante ao mais soturno dos humores em minutos. Deixando-me desnorteado com a transformação. Por vezes, me controlava para não abandoná-la a seu próprio desequilíbrio. Um esforço pequeno comparado ao prazer de acordar ao seu lado nas manhãs ensolaradas...

Tal qual o entardecer de um outono qualquer ela chegou lentamente. Quase imperceptível expandiu-se em silêncio. Primeiro surgiu como um palpite, uma intuição incerta sobre a qual apenas adivinhava a proximidade. Mas seu processo foi gradual, logo me distrai e a esqueci, para na sequência constatá-la em sua totalidade. Não havia mais espaço para a dúvida. Anoiteceu de fato e a rotina tomou conta da relação. Mas o que fazer? Antevi a distância, intui sua presença, mas assim como o ocaso, nada pude fazer para evitá-la...

Quando partiu percebi o quanto a amava, não apenas pelo vazio presente em cada objeto e peça da casa, mas pela ausência do propósito de viver que me assolou. Uma cumplicidade como a nossa não deixa margens para recomeços tardios. Me restou de consolo a expectativa de unir-me novamente a ela. Mas como não tenho coragem para abreviar a espera, aguardo. E enquanto aguardo recordo, do que não lembro... invento. 

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