Dias de chuva sempre tendem a melancolia. Não há nada mais propício
para refletirmos sobre nossas vidas do que uma árvore balançando ao vento vista através de uma janela embaçada. O
mundo molhado lá fora parece repercutir nossas angustias interiores,
potencializando-as e nos convidando à introspecção. A umidade no
ar adensa tudo, o vapor do chá quente que se desprende lentamente da
borda da xícara, a fumaça do tabaco que se esvai pela fresta da
vidraça, e até mesmo a existência, essa inefável presença,
parece pesar mais sobre nossos ombros.
Há quem amaldiçoe esta condição, lamentando o isolamento
compulsório e o marasmo envolvidos. Porém, para aqueles como eu,
que apreciam o ruído da gota que cai e da água que corre, não há
nada melhor para revisitar-se. Com certa tristeza, é verdade, pois
nem tudo são flores nos meandros da alma, mas com uma dedicação
impensável em outras situações.
Motivado pela monotonia úmida, esse convite à reflexão sugere um
vago paralelo com a prática espeleológica. Em que bravos
indivíduos, impelidos pelo amor ao conhecimento científico ou a
beleza natural, exploram o interior desconhecido das cavernas. Essa
comparação justifica-se, pois vasta e imprevisível como as
cavernas é alma humana, com suas amplas galerias banhadas pela luz
externa e seus infinitos recônditos obscuros.
E como tal, é necessária certa prática para não cair e ferir-se
nas suas armadilhas interiores. Onde é preciso atentar ao caminho
percorrido, evitando fendas intransponíveis e percursos
labirínticos, para poder retornar desta jornada. Portanto, há
em ambos os casos caminhos que devem ser evitados quando se encontra
debilitado.
Perseguir a linha de um antigo amor, por exemplo, pode ser algo
extremamente perigoso quando ainda não se está plenamente
recuperado. Porém, não há nada mais motivador quando a chuva larga
e contínua escorre pelo vidro. E foi justamente assim que procedi
naquela tarde. Tomado pela nostalgia do contexto, revisitei os
momentos mais belos, os espaços mais amplos e iluminados de minha
história com ela.
A revi saltar sobre poças noturnas, sorrindo no reflexo das águas
que se rompiam ao seu passo e lembrei de quando dividíamos o espaço
sob a marquise, estreitando nossos corpos contra a parede. E
perguntei-me como foi possível desviar de forma tão brusca do
trajeto desejado. Insisti na questão e o refiz, tropeçando nas
mesmas pedras e escorregando nas mesmas brechas.
Busquei repensar escolhas passadas e trilhar caminhos alternativos,
mas me deparei sempre com os mesmos becos. Insisti tanto no esforço
que me perdi em meio aquelas galerias sem fim. Após algum tempo
vagando ainda escutava o canto tímido dos pássaros e a chuva
batendo lá fora, mas não conseguia mais voltar. Da mesma forma que
observava a árvore por entre a janela embaçada, passei a enxergar o
mundo a minha frente, o chá que esfriava sobre a mesa e o tempo que
se esvaía sem que eu conseguisse retornar.
Percebi minha família e amigos tentando interagir, mas me tornei
incapaz de responder. A vista tornou-se cada vez menos nítida, até
a perda completa do contato externo. Resignado a minha sorte, só me
restou vagar por entre este complexo de brechas, fendas e salões
da mente, repisando trajetos ao som de um gotejar constante, que me
parece ecoar para sempre, de uma única e originária gota.


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