É
sempre a mesma coisa, logo após sua partida começa o árduo
trabalho de desencantar-me. Não é fácil, cada minuto de sublime
hesitação torna a tarefa ainda mais dolorosa. É preciso descer
bruscamente das nuvens ao áspero cotidiano para estancar o
sentimento e evitar maiores danos.
O ideal seria nem sequer vê-la partir, despedir-se no automático e
retomar as atividades do dia, mas não consigo deixar de acompanhá-la
até a porta, deter-me um segundo junto a ela, beijar-lhe a face e
observá-la afastar-se pela rua.
Um,
dois... e já foi. Minha vontade é eternizar o momento, recuperar
toda a cena, estendendo cada detalhe ao máximo. Mas é preciso
deixá-la partir, interditar todos os possíveis significados
suspensos e prender-se a imediata realidade, na expectativa de assim
preencher o vazio deixado pela sua ausência e impedir que o
sentimento deite raízes, espalhando-se pela minha memória.
Esses
esforços têm lá seus resultados, não no primeiro dia, em que nada
é capaz de afastar sua imagem de minha mente, mas com o passar do
tempo ela vai perdendo intensidade. No dia seguinte ainda recordo em
detalhes seu rosto e de frases ditas enquanto sorria, sentenças
aparentemente comuns, mas que naquela boca ressoam e perduram no
tempo. O terceiro dia é particularmente complicado, sua lembrança é
menos constante, porém o simples aroma de um café recém passado ou
a referência a uma despedida qualquer bastam para evocá-la e fazer
com que eu lamente sua ausência.
O
quarto dia transcorre de maneira menos melancólica. Resignado, foco
todas minhas atenções no trabalho, transformo-me em uma máquina
que escreve ou num punho que calcula e evito assim todo tipo de
suspiros ou desalentos. No quinto dia estou suficientemente distante
de sua influência e não me ocorrem questões sobre onde poderia
estar, ou o que poderíamos fazer caso estivéssemos juntos naquele
momento. Por sua vez o sexto dia é o único em que passo sem sua
lembrança, pois, no sétimo, ao organizar as coisas para o dia
seguinte, recordo que a verei novamente.
E
lembro do seu sorriso, dos seus gestos e dos seus efeitos sobre mim,
e ainda assim anseio encontrá-la outra vez. Estar em sua companhia
de novo para poder caminhar com ela até a porta, trocar algumas
palavras desimportantes que não esquecerei facilmente, hesitar por
um segundo antes de beijar sua face e observá-la novamente enquanto
afasta-se pela rua...


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