domingo, 23 de agosto de 2015

Semana

 É sempre a mesma coisa, logo após sua partida começa o árduo trabalho de desencantar-me. Não é fácil, cada minuto de sublime hesitação torna a tarefa ainda mais dolorosa. É preciso descer bruscamente das nuvens ao áspero cotidiano para estancar o sentimento e evitar maiores danos. O ideal seria nem sequer vê-la partir, despedir-se no automático e retomar as atividades do dia, mas não consigo deixar de acompanhá-la até a porta, deter-me um segundo junto a ela, beijar-lhe a face e observá-la afastar-se pela rua.
Um, dois... e já foi. Minha vontade é eternizar o momento, recuperar toda a cena, estendendo cada detalhe ao máximo. Mas é preciso deixá-la partir, interditar todos os possíveis significados suspensos e prender-se a imediata realidade, na expectativa de assim preencher o vazio deixado pela sua ausência e impedir que o sentimento deite raízes, espalhando-se pela minha memória.
Esses esforços têm lá seus resultados, não no primeiro dia, em que nada é capaz de afastar sua imagem de minha mente, mas com o passar do tempo ela vai perdendo intensidade. No dia seguinte ainda recordo em detalhes seu rosto e de frases ditas enquanto sorria, sentenças aparentemente comuns, mas que naquela boca ressoam e perduram no tempo. O terceiro dia é particularmente complicado, sua lembrança é menos constante, porém o simples aroma de um café recém passado ou a referência a uma despedida qualquer bastam para evocá-la e fazer com que eu lamente sua ausência.
O quarto dia transcorre de maneira menos melancólica. Resignado, foco todas minhas atenções no trabalho, transformo-me em uma máquina que escreve ou num punho que calcula e evito assim todo tipo de suspiros ou desalentos. No quinto dia estou suficientemente distante de sua influência e não me ocorrem questões sobre onde poderia estar, ou o que poderíamos fazer caso estivéssemos juntos naquele momento. Por sua vez o sexto dia é o único em que passo sem sua lembrança, pois, no sétimo, ao organizar as coisas para o dia seguinte, recordo que a verei novamente.
E lembro do seu sorriso, dos seus gestos e dos seus efeitos sobre mim, e ainda assim anseio encontrá-la outra vez. Estar em sua companhia de novo para poder caminhar com ela até a porta, trocar algumas palavras desimportantes que não esquecerei facilmente, hesitar por um segundo antes de beijar sua face e observá-la novamente enquanto afasta-se pela rua...

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