Começou
com um leve torvelinho, sem
qualquer aviso prévio, irrompeu
na
superfície tediosa
da água, perturbando a calmaria do açude. Divagava entre
pensamentos cotidianos quando o pequeno vórtex atraiu minha atenção, intrigado pelo distúrbio, acompanhei seus ciclos concêntricos
enquanto deixava de lado anzóis e o emaranhado do espinhel. Juncos,
folhas soltas e pedaços de cortiça passaram a circular ao seu
redor.
Gradualmente
sua amplitude aumentava e mais coisas eram envolvidas em sua espiral, ao
passo que eu observava assombrado seu movimento hipnótico. De
maneira intuitiva percebia o risco que corria, grandes doses de
adrenalina na corrente sanguínea me diziam para remar na direção
contrária, afastar-me daquele ímpeto crescente, porém eu estava
por demais encantado com sua beleza para pegar nos remos.
Somente
mais tarde compreendi que a força de atração daquele fenômeno
estendia-se além das coisas materiais, pois naquela hora nada mais
importava, tudo, inclusive minha atenção, movia-se em sincronia e
rumava para o mesmo fim. E antes que eu pudesse perceber o barco
começou a percorrer lentamente a fronteira mais externa do
redemoinho, estirando as linhas que estavam n'água e produzindo um
pequeno rastro de espuma circular. Não havia mais nada que eu pudesse
fazer, estava integrado ao seu giro inexorável.
Nesse
instante uma centelha de arrependimento acendeu, talvez, se eu
tivesse me afastado quando podia teria conseguido escapar de seu
ímpeto, mas a proximidade com aquela força inexplicável logo
suplantou esse sentimento. Observava encantado o ritmo crescente dos
giros, enquanto o barco rumava em direção ao seu núcleo,
acelerando e inclinando-se a cada volta, formando um imenso funil
pardo no antes plácido açude. Conforme me aproximava do centro, um ruído pavoroso que brotava de suas entranhas intensificava-se, jamais esquecerei aquele som medonho que parecia subir aos céus e ser sugado para o seu interior ao mesmo tempo.
Agarrado
as bordas do barco, navegava numa corrida inclinada sobre a parede mais interna do funil quando vislumbrei a essência do redemoinho.
Foi como olhar no olho de uma força que nos transcende e engloba,
não uma força consciente e ordenada, mas uma força elementar
inconcebível, terrível demais, bela demais para resistir. Os
últimos giros que recordo foram tão rápidos que mal consegui me
manter dentro do barco, depois disso uma torrente barrenta inundou
tudo a minha volta. O ruído foi abafado e o ar suprimido, prendi a
respiração e debati-me em vão enquanto era arremessado em todas as
direções.
Quando
acordei, custei a acreditar em meus olhos: estava jogado entre juncos e aguapés as margens
de um açude vizinho, cerca de 3 km abaixo. Ainda incrédulo, voltei ao açude
superior e busquei por algum indício do redemoinho, mas não havia
nenhum sinal dele, do barco ou das minhas linhas, tudo havia sido
tragado e consumido. Sentei sobre meus calcanhares e perscrutei longamente a superfície lisa da água. Da mesma forma como surgiu, desapareceu,
deixando para trás apenas um misto de nostalgia, temor e fascínio.



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