O
mar é belo e terrível, essa sentença ecoava na minha mente
flutuante quando avistei, de rabo de olho, três cabeças sendo
arrastadas por uma forte corrente para dentro do oceano. Creio nunca
ter agido com tamanha determinação na minha vida, pois no instante
seguinte deitei sobre a prancha e me pus a remar naquela direção o
mais rápido possível. Na cruzada gritei para outro surfista que
estava próximo sem esperar por sua reação.
Remei
cerca de 100 metros até alcançar o primeiro dos náufragos, um
senhor que boiava com relativa tranquilidade. Sem pensar muito a
respeito prossegui remando na direção de dois garotos que se debatiam e afundavam para em seguida emergirem novamente. Porém,
quando consegui alcançá-los, ambos haviam desaparecido em meio
aquela água escura e turbulenta. Num piscar de olhos eles haviam
sido engolidos pelo mar.
Alguns
minutos antes eu estava remando rumo à última arrebentação,
atravessando colunas incessantes de espuma em busca de uma condição
menos instável. Porém, o mar estava tremendamente agitado e eu
teria que remar muito para chegar lá fora. Em meio aquela ressaca
sentei sobre a prancha e ponderei a respeito do que fazer. Estava
sozinho, longe da minha melhor condição física e, o mais
surpreendente para mim, com medo.
Nunca
antes havia desistido de entrar sem ao menos tentar, sempre respeitei
meus limites face às condições, mas nunca havia desistido de
antemão. Contudo, dessa vez algo me dizia que não valia a pena o
esforço, que era melhor deixar assim. Diante destas considerações inspirei fundo, um tanto
quanto decepcionado comigo mesmo, e retornei a balançante
arrebentação intermediária.
Naquele
momento questionava o que teria acontecido comigo. Quem era aquele
indivíduo hesitante sentado sobre aquela tábua dentro d'água?
Afinal, uma parte relevante da minha formação se deu através da
relação com o mar. Desde moleque apreendi a admirá-lo e
respeitá-lo como uma expressão da natureza que não se submete a
nenhum credo ou decreto humano, uma força inesgotável de beleza e
mistério, cujo o acesso e permanência sempre dependeu de um desejo
de comunhão e de uma espécie de concessão.
Por
isso, aos meus olhos, aquela desistência antecipada assemelhava-se a
um receio em pedir permissão, como se fossemos estranhos um ao
outro. Eram esses sentimentos que me envergonhavam e ocupavam quando
avistei aquelas pessoas à deriva na correnteza.
Mas estranhos
são os desígnios que nos levam a certos lugares em determinados
momentos. Uma tentativa a mais e eu provavelmente não estaria ali
naquele instante, buscando por qualquer indício dos dois garotos
submersos. Porém, naquela hora esta era a última de minhas
preocupações, procurava desesperadamente um sinal em meio aquela
agitação quando me deparei com um braço submerso debatendo-se.
Imediatamente puxei-o para cima da prancha.
Nunca
esquecerei o pavor nos olhos escancarados, sob a água, daquele
garoto. Agarrado à prancha gritava por socorro enquanto eu buscava
por seu companheiro, que mais tarde descobri ser seu irmão mais
velho. Após alguns instantes de uma procura nervosa, os salva-vidas
finalmente nos alcançaram e resgataram o senhor, agora sobre a
prancha do outro surfista, e o garoto. Ainda buscamos pelo garoto
desaparecido alguns minutos antes de retornarmos à beira da praia.
Enquanto
remava de volta fui atingido por uma súbita compreensão: o outro
garoto estava morto. Provavelmente havia engolido muita água e
afundado, afogando-se. Os dois estavam lado a lado no momento em que
os avistei, ou seja, por muito pouco não o alcanço. Essas coisas,
um tanto quanto óbvias, iam desenrolando-se na minha mente e
afetando-me imensamente, tanto que no meio do trajeto a constatação
da velocidade com que aquela vida foi abreviada, somada à minha
proximidade e impotência diante da situação, tornou-se
desesperadora.
Ao
pisar na areia sentia uma angústia imensa, como se a nossa
fragilidade fosse desnudada frente a toda grandeza e potência do
oceano. Nesse meio tempo um grupo de pessoas já havia se formado em
volta dos resgatados, ameacei uma aproximação, mas ao perceber uma
moça aos prantos, de forma inconsolável, não encontrei coragem
para continuar e mudei de direção. O sal das lágrimas misturava-se
ao sal da areia enquanto caminhava sob alguns olhares curiosos.
Mas
somente em braços amados consegui chorar de verdade, desabei e
chorei sem saber ao certo porquê, pois as únicas palavras que me
ocorriam naquele momento eram "belo" e "terrível".
Na noite seguinte tive dificuldades para dormir, o ruído contínuo das
ondas ao fundo impedia-me de evitar pensamentos sobre os
acontecimentos da véspera. Porém, ao cabo de um longo tempo insone
adormeci.
Ao
despertar pela manhã, caminhei até a praia como
de costume e
me deparei com uma linda paisagem: o mar, claro e sereno, rolava
mansamente suas ondas sobre a areia, convidando-me para um outro
banho.


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