terça-feira, 31 de março de 2015

De Volta ao Mar

O mar é belo e terrível, essa sentença ecoava na minha mente flutuante quando avistei, de rabo de olho, três cabeças sendo arrastadas por uma forte corrente para dentro do oceano. Creio nunca ter agido com tamanha determinação na minha vida, pois no instante seguinte deitei sobre a prancha e me pus a remar naquela direção o mais rápido possível. Na cruzada gritei para outro surfista que estava próximo sem esperar por sua reação.
Remei cerca de 100 metros até alcançar o primeiro dos náufragos, um senhor que boiava com relativa tranquilidade. Sem pensar muito a respeito prossegui remando na direção de dois garotos que se debatiam e afundavam para em seguida emergirem novamente. Porém, quando consegui alcançá-los, ambos haviam desaparecido em meio aquela água escura e turbulenta. Num piscar de olhos eles haviam sido engolidos pelo mar.
Alguns minutos antes eu estava remando rumo à última arrebentação, atravessando colunas incessantes de espuma em busca de uma condição menos instável. Porém, o mar estava tremendamente agitado e eu teria que remar muito para chegar lá fora. Em meio aquela ressaca sentei sobre a prancha e ponderei a respeito do que fazer. Estava sozinho, longe da minha melhor condição física e, o mais surpreendente para mim, com medo.
Nunca antes havia desistido de entrar sem ao menos tentar, sempre respeitei meus limites face às condições, mas nunca havia desistido de antemão. Contudo, dessa vez algo me dizia que não valia a pena o esforço, que era melhor deixar assim. Diante destas considerações inspirei fundo, um tanto quanto decepcionado comigo mesmo, e retornei a balançante arrebentação intermediária.
Naquele momento questionava o que teria acontecido comigo. Quem era aquele indivíduo hesitante sentado sobre aquela tábua dentro d'água? Afinal, uma parte relevante da minha formação se deu através da relação com o mar. Desde moleque apreendi a admirá-lo e respeitá-lo como uma expressão da natureza que não se submete a nenhum credo ou decreto humano, uma força inesgotável de beleza e mistério, cujo o acesso e permanência sempre dependeu de um desejo de comunhão e de uma espécie de concessão.
Por isso, aos meus olhos, aquela desistência antecipada assemelhava-se a um receio em pedir permissão, como se fossemos estranhos um ao outro. Eram esses sentimentos que me envergonhavam e ocupavam quando avistei aquelas pessoas à deriva na correnteza.
Mas estranhos são os desígnios que nos levam a certos lugares em determinados momentos. Uma tentativa a mais e eu provavelmente não estaria ali naquele instante, buscando por qualquer indício dos dois garotos submersos. Porém, naquela hora esta era a última de minhas preocupações, procurava desesperadamente um sinal em meio aquela agitação quando me deparei com um braço submerso debatendo-se. Imediatamente puxei-o para cima da prancha.
Nunca esquecerei o pavor nos olhos escancarados, sob a água, daquele garoto. Agarrado à prancha gritava por socorro enquanto eu buscava por seu companheiro, que mais tarde descobri ser seu irmão mais velho. Após alguns instantes de uma procura nervosa, os salva-vidas finalmente nos alcançaram e resgataram o senhor, agora sobre a prancha do outro surfista, e o garoto. Ainda buscamos pelo garoto desaparecido alguns minutos antes de retornarmos à beira da praia.
Enquanto remava de volta fui atingido por uma súbita compreensão: o outro garoto estava morto. Provavelmente havia engolido muita água e afundado, afogando-se. Os dois estavam lado a lado no momento em que os avistei, ou seja, por muito pouco não o alcanço. Essas coisas, um tanto quanto óbvias, iam desenrolando-se na minha mente e afetando-me imensamente, tanto que no meio do trajeto a constatação da velocidade com que aquela vida foi abreviada, somada à minha proximidade e impotência diante da situação, tornou-se desesperadora.
Ao pisar na areia sentia uma angústia imensa, como se a nossa fragilidade fosse desnudada frente a toda grandeza e potência do oceano. Nesse meio tempo um grupo de pessoas já havia se formado em volta dos resgatados, ameacei uma aproximação, mas ao perceber uma moça aos prantos, de forma inconsolável, não encontrei coragem para continuar e mudei de direção. O sal das lágrimas misturava-se ao sal da areia enquanto caminhava sob alguns olhares curiosos.
Mas somente em braços amados consegui chorar de verdade, desabei e chorei sem saber ao certo porquê, pois as únicas palavras que me ocorriam naquele momento eram "belo" e "terrível". Na noite seguinte tive dificuldades para dormir, o ruído contínuo das ondas ao fundo impedia-me de evitar pensamentos sobre os acontecimentos da véspera. Porém, ao cabo de um longo tempo insone adormeci.
Ao despertar pela manhã, caminhei até a praia como de costume e me deparei com uma linda paisagem: o mar, claro e sereno, rolava mansamente suas ondas sobre a areia, convidando-me para um outro banho.

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