E
se, numa noite qualquer, todos os segredos primordiais lhe fossem
revelados. Sussurrados no seu ouvido por uma voz impassível, tão
antiga e profunda quanto o próprio tempo. E, ao despertar do torpor
infundido por essa revelação, tudo lhe parecesse envolto em uma
névoa de incerteza e mistério, como se constituído da matéria
onírica de um sonho desperto. O que você faria? Não repeliria esses absurdos em
busca de uma explicação racional para a situação?
Foi
precisamente essa minha conduta ao levantar da rede em que cochilava.
Numa tentativa de afastar aqueles pensamentos perturbadores e
retornar a realidade, sacudi a cabeça, esfreguei os olhos e
espreguicei-me. Em seguida olhei ao redor e contemplei a noite que se
iniciava. Aos poucos a memória voltou e pude me situar naquele
ambiente estranho.
Havia
dirigido o dia inteiro até o remoto balneário uruguaio em que me
encontrava. Dei entrada numa pequena cabana ao lado de um cabo, desci
minhas coisas do carro e deitei na rede para apreciar o fim de tarde.
Essas foram minhas últimas lembranças antes daquela voz. Não sei
ao certo por quanto tempo a ouvi. No começo assemelhava-se ao ruído
monótono do mar, depois foi distinguindo-se gradativamente e passou
a preencher todo espectro sonoro, até não haver mais nada além do
seu tom impassível.
Estremeci
ao recordá-la, mirei a praia escura que estendia-se a minha frente e
voltei à cabana. Apressei-me em acender uma lâmpada, aquele
firmamento interminável pesava como nunca sobre mim. Aos poucos a
confusão foi dissipando-se, porém as palavras sussurradas ainda
ecoavam, tornando-se mais claras e assustadoras.
Um
enredo absurdo lentamente ganhou forma. Tudo girava entorno de uma
dualidade fundamental, um equilíbrio preciso entre a luz e a
escuridão, mas não havia nenhuma moral humana implicada nessa
divisão. Apenas duas “forças” opostas que permitiam a
existência de todas as formas de vida. Essa referência foi sucedida
pela imagem de uma miríade de criaturas grotescas e
incompreensíveis, habitantes de profundezas e fendas desconhecidas,
seres tão bizarros quanto assustadores.
Porém,
ressoava a voz na minha cabeça, esse equilíbrio vem sendo
constantemente tensionado pela luz artificialmente gerada. Empurrando
a escuridão para regiões mais remotas e diminutas, onde essas
criaturas espremem-se e confabulam, aguardando pelo momento certo de
retomar seus espaços. Nesse instante a imagem de uma onda negra,
habitada por nefastas criaturas, invadiu minha mente, uma imensidão
escura alastrou-se sobre tudo. Sombras moviam-se como tentáculos que
partiam de todos os cantos e sobrepunham-se a tudo que alcançavam.
Em
meio a essas terríveis recordações o vento que soprava do mar
invadiu a cabana e balançou a luminária suspensa sobre a mesa. Seu
movimento fez com que as sombras, antes imóveis, se projetassem e
ganhassem vida. Um arrepio gelado percorreu minha espinha, as sombras
passaram a mover-se e estenderem-se para muito além de suas formas
originárias, como se meus pensamentos projetassem sombras sob a luz
balançante. Apavorado com aqueles tentáculos negros que ondulavam
em minha direção, corri para rua.
O
ar da noite estava carregado e as estrelas, mais opacas do que nunca,
emitiam um brilho pálido que parecia quase não chegar. Olhei ao
longe na direção da cabana central e avistei meu carro, porém, no
instante seguinte, sob o peso daquela noite espectral, percebi ter
cometido um terrível engano. Aquelas parcas luzes artificiais na
cabana eram a única coisa que me mantinham a salvo dos tentáculos
na escuridão, pois ao mirar o horizonte em busca do carro percebi
uma estrela pálida que apagou-se.
Enquanto
caminhava, uma a uma, as estrelas apagavam-se e a escuridão se
adensava. Após alguns passos na direção que imaginava correta a
escuridão tornou-se completa. O ruído do mar parecia vir de todos
os lados e assemelhava-se ao som de entranhas. Atormentado pelo
horror, tropecei em algo indescritível, o solo inteiro parecia
mover-se como algo vivo e coisas caminhavam sobre mim sem que eu
pudesse levantar-me. Desesperado, consegui correr alguns metros antes
de torcer o pé e cair novamente.
Naquela
hora percebi que não temia qualquer mal a minha saúde ou minha
morte, já esperava por ela, mas temia pelo inconcebível, pelo
absurdo que representava toda aquela situação. Um medo primordial
daquilo que não somos capazes de conceber ou aceitar como real.
Diante desse horror me arrastei e debati alguns minutos antes de
perder completamente a consciência.
Quando
acordei na manhã seguinte, envolto em areia e sargaço, tive a
certeza de ter contemplado algo além da compreensão humana. Ninguém
acreditaria em uma palavra do meu relato absurdo, me tomariam por
bêbado ou paranoico. E não havia como recriminá-los por isso,
tamanha a insensatez dessa história. Assim iam meus pensamentos na
beira da praia naquela manhã, até o momento em que percebi um
segundo sol negro alvorecendo por trás da linha do oceano...


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