domingo, 23 de junho de 2013

De volta à estrada


Encheu o saco. Após um semestre repleto de pressões, picuinhas e reclamações decidiu largar tudo por um tempo. Precisava fugir daquela série de compromissos e prazos que o oprimiam, que lhe tolhiam a liberdade e a criatividade. Ultimamente sentia-se cada vez mais preso a sua pesada rotina de trabalho e estudos. Sabia ser em parte responsável por ela, porém agora lhe parecia tão sem propósito que resolveu abandoná-la na primeira oportunidade que houvesse.
Não tardou a forjá-la. Durante uma consulta de rotina com a psicóloga de sua empresa declarou um nível de estresse imenso e uma incapacidade de raciocinar momentânea. No dia seguinte estava afastado de suas atribuições profissionais. Abandonou as cadeiras que cursava sem consideração alguma e começou a projetar sua fuga para outra realidade. Não sabia exatamente para onde, mas imaginava um lugar onde tivesse menos atribuições sem sentido e que lhe proporcionasse novas e autênticas experiências.
 Cultivava esta ideia há muito tempo. Tinha plena consciência do idealismo envolvido nesta empreitada e das dificuldades inerentes a este tipo de experiência. Porém não se deixaria abalar pelas críticas e tentativas de dissuasão dos poucos amigos para quem havia revelado seus planos. Coisa de guri, bem sabia. Mas era exatamente isto que o motivava e o interessava na ideia. Buscava, entre outras coisas, o retorno daquela perspectiva, daquele deslumbramento juvenil e das expectativas relacionadas. Iria à busca de uma espécie de esperança perdida.
Precisava renovar suas lentes e apenas uma experiência destas seria capaz de remover toda sujeira e marasmo que estreitavam sua visão de mundo atualmente. Após uma ansiosa semana de preparativos embarcou em um ônibus rumo Florianópolis. Lagoinha do Leste era o seu destino, um parque de proteção ambiental isolado por morros e o mar. Do seu assento no ônibus, ainda na rodoviária, já podia sentir seu estado de espírito alterando-se. Montes de mofo e bolor pareciam soltar-se de seus ossos, o outono da alma dissipando-se a cada quilômetro rodado na estrada.
 A paisagem em movimento na janela ia revigorando a expectativa de coisas novas e deixando para trás compromissos, prazos e agendas. Sentia-se leve e tranquilo como há muito não experimentava. Em sua cabeça figurava agora um sumário “foda-se” para o futuro, o protagonismo pertencia ao presente.
Já na ilha, fez uma rápida visita a parentes queridos e dirigiu-se a remota praia isolada sem grandes explicações. Para acessá-la encarou uma trilha de pedras perigosa, enquanto choviam cântaros sobre sua cabeça, molhando barraca, equipamentos e ossos. Um primeiro revés, que fez com que pela primeira vez encarasse sobre diferentes termos sua aventura. Porém nada suficiente para abalar suas resoluções.
A primeira noite foi horrível. Todos seus equipamentos estavam molhados e chovia tão forte sobre a lona de sua barraca que mal podia ouvir seus próprios pensamentos. Mas a noite não durou para sempre, e o dia seguinte trouxe toda beleza e crueza da natureza preservada da ação humana. A simples visão do sol nascendo sobre as nuvens no mar foi suficiente para convencê-lo que aquela era a escolha mais acertada.
Logo nos primeiros dias conheceu algumas pessoas interessantes que estavam, assim como ele, acampadas pelas dunas entre a vegetação. Alguns habitavam aquelas paragens há muitos anos, sobrevivendo com recursos naturais e poucos mantimentos que eram deixados pelos turistas durante as altas temporadas. Em pouco tempo aprendeu muito sobre o tempo, sobre mariscos e caranguejos, sobre experiências com cogumelos e sobre a ausência de confortos básicos.
Durante algum tempo manteve a empolgação original, apreciando cada instante daquela forma de vida mais elementar. Porém com o passar dos dias a novidade de suas experiências foram perdendo o vigor. Afastou-se dos seus companheiros acampados na esperança de estarem contaminando sua percepção. Solitário, permaneceu animado por mais alguns dias, mas não tardou a inquietar-se novamente.
Sentado sobre o costão rochoso, ouvindo o interminável estrondo do mar contra as inquebrantáveis pedras, percebeu que sua experiência havia atingido seu limite. Mais que isto, percebeu o impasse em que se encerrava. Na busca por uma experiência completamente nova havia rotinizado a aventura.
No dia seguinte embarcou num ônibus de volta para a casa. Magro e maltrapilho, levando apenas alguns pertences que seus companheiros de acampamento não quiseram, voltou a sentir-se tranquilo novamente. Sabia que aquela sensação não duraria muito, mas estava decidido a curti-la enquanto durasse. Pois compreendeu que a insatisfação era o estado predominante da condição humana, mas também o motor de sua transformação.

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