sexta-feira, 31 de maio de 2013

A Lenda do Homem Magro

Maldito Mr. Jones, perambulando pela noite, assustando criançinhas e roubando roupas nos varais. Sem nenhum resquício de caráter ou prudência, um legítimo lunático a solta pelas ruas de lugar nenhum.  Um filha da puta da vida real, chantagista de ocasião, hipócrita de profissão. Ninguém acredita, mas ele existe.
Basta um rápido vislumbre no fundo do poço para que sua silhueta esguia apareça e projete sua sombra. Aquele triste momento, quando nada parece capaz de piorar, é a deixa para sua entrada morosa. Como um rato saindo do esgoto, uma barata do bueiro, ele surge do canto mais escuro e fétido em nossa direção.
Ébrio e claudicante, ele rasteja das sombras até nossos ouvidos com propostas indecentes. Amoral em sua essência e imoral por preferência, aproveita-se de qualquer breve instante de fragilidade para cooptar nossos corações balançantes. Palavras ácidas escoam docemente de seus lábios, são mentiras honestas que penetram no âmago de nossas mentes.
Quase sentimos prazer em odiá-lo. Vil, louco e asqueroso, um pária desprezível. Porém impossível de ser ignorado em sua figura. Enquanto nos fala algo gosmento escorre do canto de sua boca, uma sucessão de tiques e convulsões nervosas percorre sua cara. E uma nítida impressão de que uma cauda balança sob a sombra de seu corpo impede qualquer sentimento de confiança.
Mas seu cinismo impressiona, seus argumentos elaborados convencem. Com uma habilidade magistral toca harmonicamente todos os podres da humanidade, ascendendo das mentiras mais fúteis, em progressão pelas hipocrisias cotidianas, até o clímax das grandes corrupções. Uma obra instigante, inspirada na mais crua realidade, mas incrivelmente desoladora.
 Pouco sobra de nossa empatia com as pessoas após este discurso. Seu sorriso medonho nos afronta, somos oprimidos por aqueles dentes podres. E lentamente, como o gato de Cheshire, seu corpo  delgado desaparece, deixando para trás apenas aquele amarelo sorriso de escárnio. Atônitos, percebemos que, sem que nos déssemos conta, uma semente maldita foi plantada em nosso peito.
Logo uma inacreditável dor de barriga nos assola, nos contorcemos e deitamos no chão urrando. Nada mais parece ter sentido, sabemos que algo está acontecendo, mas não sabemos o que é. Abrimos os olhos na completa escuridão, uma percepção alterada da humanidade nos ocorre, um desprezo por tudo que nos cerca reina sobre qualquer outro sentimento.
Eis que agora perambulamos pela noite, sem nenhum resquício de caráter ou pudor. Como um legítimo lunático a solta pelas ruas de lugar nenhum, um filha da puta da vida real, oportunista de ocasião, hipócrita de profissão. Como um exímio e amaldiçoado Mr. Jones.

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