Maldito
Mr. Jones, perambulando pela noite, assustando criançinhas e roubando roupas
nos varais. Sem nenhum resquício de caráter ou prudência, um legítimo lunático
a solta pelas ruas de lugar nenhum. Um
filha da puta da vida real, chantagista de ocasião, hipócrita de profissão. Ninguém
acredita, mas ele existe.
Basta
um rápido vislumbre no fundo do poço para que sua silhueta esguia apareça e
projete sua sombra. Aquele triste momento, quando nada parece capaz de piorar,
é a deixa para sua entrada morosa. Como um rato saindo do esgoto, uma barata do
bueiro, ele surge do canto mais escuro e fétido em nossa direção.
Ébrio
e claudicante, ele rasteja das sombras até nossos ouvidos com propostas
indecentes. Amoral em sua essência e imoral por preferência, aproveita-se de
qualquer breve instante de fragilidade para cooptar nossos corações balançantes.
Palavras ácidas escoam docemente de seus lábios, são mentiras honestas que
penetram no âmago de nossas mentes.
Quase
sentimos prazer em odiá-lo. Vil, louco e asqueroso, um pária desprezível. Porém
impossível de ser ignorado em sua figura. Enquanto nos fala algo gosmento escorre do canto
de sua boca, uma sucessão de tiques e convulsões nervosas
percorre sua cara. E uma nítida impressão de que uma cauda
balança sob a sombra de seu corpo impede qualquer sentimento de confiança.
Mas
seu cinismo impressiona, seus argumentos elaborados convencem. Com uma habilidade
magistral toca harmonicamente todos os podres da humanidade, ascendendo das
mentiras mais fúteis, em progressão pelas hipocrisias cotidianas, até o clímax das
grandes corrupções. Uma obra instigante, inspirada na mais crua realidade, mas
incrivelmente desoladora.
Pouco sobra de nossa empatia com as pessoas
após este discurso. Seu sorriso medonho nos afronta, somos oprimidos por
aqueles dentes podres. E lentamente, como o gato de Cheshire, seu corpo delgado desaparece, deixando para trás apenas aquele amarelo sorriso de escárnio.
Atônitos, percebemos que, sem que nos déssemos conta, uma semente maldita foi
plantada em nosso peito.
Logo uma inacreditável dor de barriga nos assola, nos contorcemos e deitamos no chão
urrando. Nada mais parece ter sentido, sabemos que algo está acontecendo, mas
não sabemos o que é. Abrimos os olhos na completa escuridão, uma percepção
alterada da humanidade nos ocorre, um desprezo por tudo que nos cerca reina
sobre qualquer outro sentimento.
Eis
que agora perambulamos pela noite, sem nenhum resquício de caráter ou pudor. Como
um legítimo lunático a solta pelas ruas de lugar nenhum, um filha da puta da
vida real, oportunista de ocasião, hipócrita de profissão. Como um exímio e
amaldiçoado Mr. Jones.


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