segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Sobre a Árdua Tarefa de Fazê-la Sorrir


Josias o sabia desde o princípio. Logo, não se tratava de uma mudança repentina que bruscamente ocorrera em suas vidas, mas sim de um gradual agravamento de uma condição pretérita. De fato, quando a conheceu, uma das primeiras coisas que lhe chamou a atenção foram sua seriedade e introspecção. Contudo, não estranhou muito, afinal, o que mais se deveria esperar de uma bibliotecária?
Neste período, Josias terminava o doutorado e sofria na tentativa de organizar suas referências bibliográficas. Por este motivo, ou por qualquer outra providência desconhecida  do destino,   encontravam-se com uma certa frequência, mas até então nada mais despertara seu interesse por aquela garota sisuda de aparência regular. Até o dia em que soltou junto a ela um gracejo involuntário sobre sua inaptidão para organização. Um sorriso tímido, mas sincero brotou nos lábios da moça. Foi como o brilho do sol que irrompe lentamente através de densas nuvens de um dia nublado, antes de morrer no horizonte durante o fim da tarde.
E como tal, não passou de um breve momento que antecede o anoitecer. Mas bastou para Josias perder-se. Aquele istimo de sorriso, cercado por um oceano de seriedade, foi a coisa mais bela por ele já vista. Não possuia palavras para descrevê-lo, tamanha sua estupefação diante daquele fenômeno que ficou sem saber ao certo quanto tempo ficou parado sozinho diante do balcão da biblioteca. Estava perdidamente encantado por aquele sorriso involuntário de beleza incomensurável.
A partir daquele dia as preocupações com o doutorado passaram para o segundo plano, Josias passou a despender todos os seus esforços em tentativas de conhecê-la melhor e convidá-la para sair. Por fim, após alguns fracassos, obteve sucesso em sua apaixonada empreitada. Daí para o namoro foi um pulo. Seguiram-se os procedimentos habituais, acompanhados dos sentimentos e expectativas naturais a estes contextos.
Porém não tardou a Josias perceber que o sorriso, fonte de tão profunda admiração, não era algo fácil de ser revelado. Aliás, já no primeiro encontro ele percebeu que tal como um fenômeno natural de rara beleza, aquele sorriso não ocorria de forma gratuita ou premeditada. Era um acontecimento espontâneo e imprevisível, porém incrivelmente belo em sua harmonia e simplicidade.
Com o passar do tempo, entretanto, o brilho daquele sorriso tornou-se cada vez mais escasso. Josias passou a contar nos dedos das mãos o número de vezes em que ela sorria durante o mês. Os dias transformaram-se, a morna monotonia dos tons de cinza passou a predominar. Porém quando eventualmente sorria tudo se iluminava novamente e cobria-se de brilho e cores, que até então permaneciam obscurecidas pela penumbra de um cenho fechado.
Preso entre esparsos momentos de pleno regozijo e intermináveis períodos marasmo, Josias aguardava, torcia e sofria. Zelava aqueles lábios ansiosamente na expectativa de entrever por um mísero momento a beleza daquela manifestação da mais terna alegria. Contudo, esta interminável espera desgastava-o, já não passava mais de uma sombra do que fora outrora, andava ainda mais magro e debilitado do que os longos períodos de leituras o haviam transformado.
Certo dia, após ser confrontado por um amigo de longa data sobre sua sofrível compleição, relatou entre copos de cerveja sua história e dilema em pormenores. O velho amigo concordou plenamente em relação à beleza do sorriso da companheira de Josias, porém, embora não os visitasse mais com a mesma frequência de antigamente, discordava sobre a escassez do fenômeno, recordava-se da espontaneidade e de uma agradável frequência, principalmente quando juntos o casal.
Um tanto quanto contrariado, Josias despediu-se do amigo e se pôs a caminhar, uma chuva fina caía interminavelmente do céu. Talvez o amigo não os visse há muito tempo e suas impressões pertencessem a um passado distante, mas não era esta a realidade, visitavam-se ainda. Refletiu intensamente sobre aquele sorriso mágico, refazendo mentalmente seu cotidiano nos últimos dias. Lembrava-se dele com extremo carinho diariamente, então, por um iluminado momento pareceu-lhe que o via todos os dias, porém não o percebia como antigamente.
Atônito, Josias parou na calçada molhada. A chuva, que arrastava-se longamente fazia três dias, cessou. Com os pés molhados até as meias, Josias alçou o olhar o mais longe possível em direção ao oeste, e por entre nuvens que pareciam evaporar-se lentamente, vislumbrou um fino feixe de luz que ia expandindo-se de forma progressiva. Um sorriso espontâneo, quase imperceptível, desprendeu-se de seus débeis lábios. 
                   

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