Josias o sabia desde o princípio. Logo, não se tratava de
uma mudança repentina que bruscamente ocorrera em suas vidas, mas sim de um
gradual agravamento de uma condição pretérita. De fato, quando a conheceu, uma
das primeiras coisas que lhe chamou a atenção foram sua seriedade e introspecção.
Contudo, não estranhou muito, afinal, o que mais se deveria esperar de uma
bibliotecária?
Neste período, Josias
terminava o doutorado e sofria na tentativa de organizar suas referências
bibliográficas. Por este motivo, ou por qualquer outra providência
desconhecida do destino, encontravam-se com uma certa frequência, mas
até então nada mais despertara seu interesse por aquela garota sisuda de
aparência regular. Até o dia em que soltou junto a ela um gracejo involuntário
sobre sua inaptidão para organização. Um sorriso tímido, mas sincero brotou nos
lábios da moça. Foi como o brilho do sol que irrompe lentamente através de
densas nuvens de um dia nublado, antes de morrer no horizonte durante o fim da
tarde.
E como tal, não
passou de um breve momento que antecede o anoitecer. Mas bastou para Josias
perder-se. Aquele istimo de sorriso, cercado por um oceano de seriedade, foi a
coisa mais bela por ele já vista. Não possuia palavras para descrevê-lo,
tamanha sua estupefação diante daquele fenômeno que ficou sem saber ao certo
quanto tempo ficou parado sozinho diante do balcão da biblioteca. Estava perdidamente
encantado por aquele sorriso involuntário de beleza incomensurável.
A partir daquele dia
as preocupações com o doutorado passaram para o segundo plano, Josias passou a
despender todos os seus esforços em tentativas de conhecê-la melhor e
convidá-la para sair. Por fim, após alguns fracassos, obteve sucesso em sua
apaixonada empreitada. Daí para o namoro foi um pulo. Seguiram-se os
procedimentos habituais, acompanhados dos sentimentos e expectativas naturais a
estes contextos.
Porém não tardou a
Josias perceber que o sorriso, fonte de tão profunda admiração, não era algo
fácil de ser revelado. Aliás, já no primeiro encontro ele percebeu que tal como
um fenômeno natural de rara beleza, aquele sorriso não ocorria de forma
gratuita ou premeditada. Era um acontecimento espontâneo e imprevisível, porém
incrivelmente belo em sua harmonia e simplicidade.
Com o passar do
tempo, entretanto, o brilho daquele sorriso tornou-se cada vez mais escasso.
Josias passou a contar nos dedos das mãos o número de vezes em que ela sorria
durante o mês. Os dias transformaram-se, a morna monotonia dos tons de cinza
passou a predominar. Porém quando eventualmente sorria tudo se iluminava
novamente e cobria-se de brilho e cores, que até então permaneciam obscurecidas
pela penumbra de um cenho fechado.
Preso entre esparsos
momentos de pleno regozijo e intermináveis períodos marasmo, Josias aguardava,
torcia e sofria. Zelava aqueles lábios ansiosamente na expectativa de entrever
por um mísero momento a beleza daquela manifestação da mais terna alegria. Contudo,
esta interminável espera desgastava-o, já não passava mais de uma sombra do que
fora outrora, andava ainda mais magro e debilitado do que os longos períodos de
leituras o haviam transformado.
Certo dia, após ser
confrontado por um amigo de longa data sobre sua sofrível compleição, relatou
entre copos de cerveja sua história e dilema em pormenores. O velho amigo
concordou plenamente em relação à beleza do sorriso da companheira de Josias,
porém, embora não os visitasse mais com a mesma frequência de antigamente,
discordava sobre a escassez do fenômeno, recordava-se da espontaneidade e de
uma agradável frequência, principalmente quando juntos o casal.
Um tanto quanto
contrariado, Josias despediu-se do amigo e se pôs a caminhar, uma chuva fina
caía interminavelmente do céu. Talvez o amigo não os visse há muito tempo e
suas impressões pertencessem a um passado distante, mas não era esta a realidade,
visitavam-se ainda. Refletiu intensamente sobre aquele sorriso mágico,
refazendo mentalmente seu cotidiano nos últimos dias. Lembrava-se dele com
extremo carinho diariamente, então, por um iluminado momento pareceu-lhe que o via todos os
dias, porém não o percebia como antigamente.
Atônito, Josias parou
na calçada molhada. A chuva, que arrastava-se longamente fazia três dias,
cessou. Com os pés molhados até as meias, Josias alçou o olhar o mais longe
possível em direção ao oeste, e por entre nuvens que pareciam evaporar-se
lentamente, vislumbrou um fino feixe de luz que ia expandindo-se de forma
progressiva. Um sorriso espontâneo, quase imperceptível, desprendeu-se de seus débeis lábios.


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