Ela gostava de jazz. Apenas este fato já bastaria para despertar meu interesse. Era a primeira garota que eu conhecia que curtia jazz, não esse eletrojazz que rola nas rádios por aí, mas jazz clássico, de Brubeck e Coltrane. Talvez este anacronismo não fosse tão raro na cidade grande quanto parecia para mim, mas de fato ela toda parecia como que oriunda de uma outra época. Seus traços remetiam a uma inocência há muito perdida e eram acompanhados de uma melancolia permanente no olhar que lhe davam uma impressão ainda mais nostálgica. Fumava e falava com uma calma que literalmente hipnotizava os espectadores, que perdidamente buscavam seus grandes olhos entre nuvens de fumaça.
Conhecia quase todo o velho mundo e era surpreedentemente apenas alguns anos mais velha que eu. Junto a ela me sentia angustiado, como se estivesse até então na ante-sala da vida, esperando todos estes anos para descobrir este universo de infinitas possibilidades que ela me apresentava. Lugares, músicas, filmes, conhecia tantos e tão bem que me perguntava onde havia arranjado tempo para tanto.
Não consigo lembrar de como a conheci, creio que foi ganhando contornos e relevância conforme a descobria mais detalhadamente. A cada conversa ela ia conquistando mais espaço sobre minha mente, sempre versava sobre temas interessantes e possuía opiniões originais sobre quase todos assuntos. Sua influência sobre mim foi muito intensa, ao passo que em dois meses eu estava profundamente dependente daquela presença, nada mais me interessava além dela.
Uma noite estávamos num bar beatnik próximo da minha casa, cuja existência eu desconhecia, entre baforadas e batidas quando ela subitamente parou. Um sujeito havia entrado no bar e cortado sua respiração. Percebi no instante que havia algo errado, ela se recompôs e ensaiou um conversa desconexa, sua mente estava no balcão. Questionei-a sobre o cara, o óbvio ocorreu, era seu ex que a havia abandonado em Amsterdã no ano passado. Voltei sozinho para casa aquela noite.
Minha dúvida chegara ao fim, um convívio intenso com um cara mais experiente num apartamento cult, em alguma metrópole intelectual da Europa havia possibilitado uma experiência inesquecível. Como eu poderia competir com isto, meu universo limitado não me disponibilizava recursos para tanto. O cara era um sacana, largou ela sem dar nenhuma explicação, não sei se isto não contava a seu favor, mas ele era o cara que a iniciou e lhe ensinou tudo que sabia. Estava fadado à derrota.
De fato nunca mais fui procurado. Algum tempo depois ouvi falar que voltaram para a Europa. Quanto a mim, após esta experiência tratei de nunca mais me empolgar tanto, fiquei mais calmo e cético em relação as pessoas. Atualmente frequento bares esfumaçados em noites de jazz, impressionando novatas com poemas e filosofias pseudo-existencialistas...


Adoravel...final genial...muito talentoso como sempre!!!Sou fansoca...Escreve sempre.Tuas saídas são geniais...muito inspirador..Amsterdam.Amei!!!
ResponderExcluirMais um conto bacana Cabelo!
ResponderExcluir"Poemas e filosofias pseudo-existencialistas" de um pseudo-socialista... (segundo o Olicio, claro)