terça-feira, 24 de julho de 2018

Diojenes, o guarda carros* - II


- Puta que o pariu! Que encheção de saco essa história dos despejos. Tá cheio de nego na rua agora torrando a paciência. Que que esse filha da puta tinha que tirar essas pessoas daquele prédio? Não tavam incomodando ninguém, tava até abandonada aquela merda antes.

Mas tudo bem… E sou estoico, manja? Ah, é, te falei daquela vez já. É, então, isso quer dizer que eu procuro aceitar as coisas que não posso mudar… Não, não tem nada a ver com acomodado! Tem a ver com reconhecer que nem tudo tá ao nosso controle, que tem coisas que dá pra mudar e outras não. Simples assim. É uma atitude filosófica, saca? Por isso que não adianta eu ficar puto com essa história porque não tem nada que eu possa fazer. E ficar puto não vai me levar a lugar nenhum. Claro que ficar de braços cruzados não muda nada, mas ficar se lamentando num canto também não. O que dá para fazer é pensar nas coisas que dá pra mudar e mudar essas coisas aí…

Por exemplo? Sei lá eu. Não tô na pele dessa gente também. Com eles a coisa é bem mais complicada, tem família, criança, essas parada. Se fosse eu ia logo procurar outra aba pra morar, de preferência bem longe da atenção dos outros. Sim, eu sei que eles tem um projeto, uma luta comum – eu também converso com as pessoas – só tô dizendo o que eu faria na situação deles. Pra mim e pro Platão não muda muito, a gente vive simples. Aumenta a concorrência nos apoio, reduz a tolerância das pessoas, mas nada que nos assuste.

Certa feita, a gente tava numa ocupação destas, mais por ocasião do que por convicção. O Platão tava numa peste horrenda e tinha um pessoal lá dando assistência médica pra pessoa e pra bicho. Gente universitária, gente nova, cheia de ideias e sonhos, conhece o tipo? Nos abancamos uma semana num prédio do governo e ficamos lá até o Platão melhorar. Tinha tudo quanto é tipo de gente lá. E no meio daquele povo todo a gente conheceu uma guria muito simpática. Dessas de movimento social, muito preocupada com todo mundo e muito querida. Só que a moça tinha umas crise braba de ansiedade, atacava os nervo e ela passava mal de tão preocupada com tudo que ela era. Preocupava com a comida que podia faltar, com os home que podiam cair descendo sarrafo a qualquer momento, com as briga que podiam acontecer lá dentro, com tudo. E pior que de tão ansiosa que a coitada era ficava até insegura. Imagina só, uma moça estudada daquelas com medo ou vergonha de barbado vagabundo. Vai entender.

Mas o pior é que aconteceu de bem no dia que os home finalmente chutaram a porta pra desocupar, a coitada tava sozinha com uma dúzia de crianças na ocupa. O resto do pessoal da organização tava numa reunião, acho. Não lembro direito. Só sei que foi um chororô geral, capacete e coturno pra tudo que é lado. Os meganha gritando com sangue no olho e aquela criançada berrando e correndo pras barraca. Tu não faz ideia da confusão que foi aquilo! E podia ter sido muito pior, não fosse a guria essa ter pensado rápido, tomado a frente da situação e ter ido logo falar com o tal capitão.

Peitou o home de farda e explicou tudinho. Disse que só tinha criança ali, que não tinha necessidade daquilo tudo e que eles iam cooperar. Deve ter falado firme, porque o home entendeu a situação. Logo depois retirou as tropa e deixou eles se organizarem pra desocupar. Acho até que ela negociou a retirada das coisa tudo, sem despejo e sem ignorância. Baita atitude da guria! E pra tu vê, no fim não adiantou de nada toda aquela preocupação antecipada. Os home brotaram do nada e o jeito foi negociar conforme a situação. Não desesperar, não ficar se lamentando, mas trabalhar em cima do que pode ser trabalhado. Isso é ser estoico, entende?

Eu? Eu não fiz nada. Ajudei a tirar e desmontar as coisa depois. É que eu tenho alergia aguda à autoridade, sabe? Não posso chegar muito perto. O Platão aqui também não simpatiza muito, não. Ele tem uma história complicada com ela. Mas isso eu te conto outra hora que sequei a goela aqui de tanto falar. Por falar nisso, podia nos dar um apoio pruma guaraná aí, né?

Grande! Muito obrigado, mestre! Cola aí outra hora que te conto a história do Platão e as autoridades, tá.

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* Advertência: Leia em voz alta

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