domingo, 18 de novembro de 2018

Diojenes, o guarda carros* - VII


- Dá só uma olhada na roupa nova do Platão! Tá ou não tá bonito de canarinho, o bacana? Tá todo pimpão aí, recebendo vários afago e rango da galera. Não tem um que passe aqui e não faça pelo menos uma festinha pra ele… E gosta pouco, o safado.
Foi a Dona Eva que deu a roupa pra ele. É uma madrinha pra nós a Dona Eva. Sempre ajudando nos remédio e na comida pro Platão. Ela disse que já tinha essa roupa da copa passada e que não tava mais usando, porque a cadelinha dela faleceu não sei bem quando, daí ela decidiu doar pro goleador aqui. No começo ele estranhou um pouco, tentou tirar umas vez e ficou se roçando por aí. É que a gente não é muito dessas firula, né Platão? Mas agora com esses mimo tudo acho que ele até já gostou mais da ideia.
Dá pra vê que o pessoal fica bem mais cordial com essa história de copa. Sobra sorriso e conversa pra tudo que é lado. Eu, pessoalmente, acho uma bobajada, mas já fui mais crítico também. Hoje em dia levo mais na esportiva, mesmo. Sei lá, uma coisa que deixa tanta gente facera não pode ser assim tão má. E tem uma mística na seleção mesmo, uma coisa de alegria e esperança que contagia as pessoa. Porque se tu for ver a gente não tem muita coisa em comum, não. Eu acho que é até mais fácil acha nossas diferenças nesse tanto de desigualdade que é esse país. Mas a seleção une as pessoa, atravessa as barreira e aproxima os diferente, nem que seja só naquele momentinho que tu grita gol e abraça o cara do lado.
Pobre, rico, preto e branco, nessa hora é tudo brasileiro. E até quem não é, comemora e curte com a gente. Tem muita gente de outros país que torce por nós mesmo sem nenhum parentesco. Todo mundo quer partilhar da nossa alegria e participar da nossa festa. O Brasil é tipo o herói carismático com uma história triste, saca? É fácil de simpatizar com a gente e se identificar com a seleção. E se pros outros é fácil, imagina pra nós. Imagina pra quem leva uma vida fudida e não tem muito o que festejar. É guri, não é pouca coisa pra se abri mão, não.
Eu até que entendo quem não gosta, quem crítica e mete o pau na seleção. Que nem neguinho faz por aí. Mas no fim das contas não acho que isso faz muita diferença, não. O que tá errado segue errado e não é isso que muda as coisa. Além disso, eu faço parte disso aqui também, eu vivo isso aqui todo o dia e tenho direito a essa alegria. Não vou deixar qualquer um tirá isso de mim, não. Como diz meu a amigo Totonho, eu também sou brasileiro e quero levantar a taça.



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Advertência: Leia em voz alta.

domingo, 30 de setembro de 2018

Diojenes, o guarda carros* - VI


- E eu lá preciso destas tuas moedinhas sem vergonha? Pode enfiar no cu ooo muquirana duma figa. Eu não preciso dessas porcaria, não. Não sou retardado que nem vocês. Eu me basto! A gente aqui se basta! Não precisamos delas, nem desse monte de bobagem que vocês dão tanto valor: carrão, motão, ifone, ifode...pfuu. Tudo bosta, coisa de retardado que não tem mais nada na vida. E digo mais, vocês parecem tudo uns imbecil caminhando por aí com a cara colada nessas tela, se batendo e tropeçando uns nos otro.

Vê se eu posso com esses tipo? Baita otário. Esses dias, um imbecil destes veio brigar comigo por causa dum risco que ele fez no carro sabe-se-lá-onde. Ameaçou matar eu e o Platão por causa de uma porcaria dum risco na lataria. Olha bem se pode uma coisa dessas? Fiquei sem reação primeiro, não podia que eu tava ouvindo aquilo, mas logo respondi que achava bem justo ele tentar. Só que tinha que ser na faca, eu e ele, pra desfazer um agravo tão sério como aquele na lataria. Advinha se ele topou?

Claro que não! Disse que ia chamar a polícia, o comissário, o batman e sei lá mais quem. Mas acho que ele se deu conta da burrada que tava fazendo e desistiu. Ou não também, daqui um pouco só ficou com preguiça e não quis mais se incomodar, vai saber… O certo é que era outro retardado desses dando um baita valor prumas coisa que não tem cabimento. Coisa que não se sustenta depois de dois minutos de reflexão. E pior que não é muito difícil fazer isso, não. É só para um poquinho, respirar fundo e avaliar tuas prioridades na vida.

Tu quer vê outro caso que não entendo? Cansei de vê gente cruzando o viaduto do Açorianos no fim de tarde que se depara com aquele céu de baunilha, aquele que vai pintando o horizonte pras banda do Guaíba, sabe? É, então. E tem gente que em vez de admirar e curtir aquilo, saca um destes celular do bolso e faz um retrato do céu sem nem parar de caminhar. Agora tu me diz, de que que vale aquele retrato guardado de revesgueio no celular? Hein? Não consigo entender o sentido daquilo.

Eu não guardo nada no celular, até porque não tenho estas traquitana. Se acho bonito eu paro no meio do viaduto mesmo, me debruço na mureta e curto aquele momento até o fim, até a noite tomar conta do céu e começar a esfriar. Fico ali, sentindo toda aquela mudança no ar, na pele, no corpo mesmo, saca? Não sei se eles chegam a olhar depois no telefone, mas duvido muito que seja melhor do que na hora que a coisa tá acontecendo. Ah, duvido…

Mas eu não tenho pena nem raiva desses jaguara, não. Por mim eles podiam tudo se mata de amor por seus carro enquanto registram tudo nos seus celular sem olhar pra frente. Desde que não torrassem a nossa paciência com essas suas mesquinharia.

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quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Diojenes, o guarda carros* - V


- Puta que tá tudo molhado! Mas também, faz quantos dias que não para de chovê? O coitado do Platão chega a tar coaxando já de tanta água que deus manda. Não que a gente seja de reclamar dessas coisas, não. A gente é estoico, lembra? Só que faz dias que tamo dormindo em cima de papelão molhado. E ninguém merece dormir no papelão molhado.

Da minha parte eu até que levo de boa. Só fico assim por causa do meu parcerinho. Mais de uma vez o Platão gripou feio já. Tive que leva ele em médico de cachorro e tudo. Sorte que tem um pessoal gente boa por aqui que deu maior força pra nós aquela vez. Ganhou até biscoitinho o malebra naquele dia. Mas mereceu. Eu é que fiquei preocupado pra burro em ver o bichinho todo jururu, arrastando as pata e tossindo os bofes pra fora. Te juro que achei que ia ficar sozinho na rua de novo.

Menos mal que ele encarou tudo como um verdadeiro filósofo e conseguiu se recuperar da peste. Ficar sozinho é muito difícil... Tem gente que acha que nós tem os bicho só pra conseguir mais apoio dos outros, mas isso é gente que nunca morou na rua e não sabe como é não ter ninguém pra dividir as coisa boa e ruim da vida. O Platão aqui é o maior vigilante, guardador de carro, farejador de tesoro e prescrutador de alma que existe na banda.

É, prescrutador. Quer dizê que ele lê a alma do vivente na primeira sacada. Basta uma cherada pra ele saber se o tipo tá de má intenção ou se vem na paz. Uma vez, uns guri desalmados tavam dando volta com um galão de gasolina por aí e o Platão sacou de cara qual era a deles. Acuou na hora que eles viraram a esquina e não parou de acuar enquanto eles não sumiram na outra quadra. Fiquei com medo que ele pudesse levar um chute ou algo assim, mas ele foi esperto e não se aproximou muito também.

Sabe? Teve um tempo que nós tinha um carrinho, desses de supermercado, que a gente usava pra carregar as tralhas de um lado pro outro. E era um sarro ver o Platão passeando dentro dele. Ele ficava deitado bem pra frente, de fuço erguido e farejando o ar. Acho que ele pensava que era alguma divindade egípcia ou algo do tipo. Porque tu tinha que ver a pose de bacana que ele fazia quando andava naquele carrinho.

Beh, bons tempos aqueles. Pelo menos no carrinho tu ficava seco né, Platão?



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* Advertência: Leia em voz alta. 

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Diojenes, o guarda carros* - IV


- Tu viu essa do cara que atropelou três na João Alfredo ontem? Alapucha, que desgraceira braba esse miserável aprontou! Derrubou até poste de concreto! E pior que tão dizendo que ele tinha enchido a cara antes. Imagina só, encher os caneco em plena luz do dia e pegar o caminhão no meio da cidade. É pedir pra dar muito errado. (Pode ficar tranquilo, mestre. Tá bem cuidado aqui! Qualquer coisa o Platão tá de olho.).

Por isso que eu sou um cara moderado, entende? A moderação é uma coisa muito importante prum estoico como eu. Na verdade quem se ligava mais nessa história de moderação era os amigo do Epicuro. Aquele do jardim e tal. Mas eu acho que essa é uma boa filosofia, também. Até quando eu bebo eu sou moderado. Tu nunca me vê jogado aí pelos cantos, né?

Sim… Mas daquela vez foi diferente. O seu Manuel botou três garrafa de branquinha pra nós numa sentada. Nem sei da onde saiu aquela grana toda. Daquela vez foi culpa do Seu Manoel, que não moderou na hora de comprar. Porque não dá pra deixar a moderação pra mesa do bar, né? Afinal ninguém é de ferro. E depois de morta a cobra não tem mais volta.

Mas fora essa vez eu tenho me mantido bem moderado, até. Nas comida, nos prazer, nos vício. O grande lance é evitar as coisas que tu associa aos excesso. Quer vê um exemplo? Não dá pra cola muito no Seu Manuel, não, porque o cara é um pau d’água e tá sempre cos pé molhado. Ele vive em função da cana. Já viu? Todo troco que ele arranja vira trago! Então eu só apareço por lá quando eu tô muuuito afim de tomar umas. Não tô aqui julgando o cara também, cada um sabe onde aperta o sapato. Eu só não gosto da ideia perdê as rédeas, saca? Virar escravo da coisa.

Já vi muita gente boa se perdê pelo caminho. E não precisa muito, não. Na verdade, é só deixar se levar que o vício faz o resto. A vida é muito dura, guri. Na rua então… A gente é presa fácil pros prazer fácil. Por isso que precisa ter cabeça boa, e não viver no meio dos noia. Um lugarzinho pra se apoiar às vezes ajuda também, mas isso é pra poucos. O negócio é evitar tudo que lembra os vício. As pessoa, os lugar, os hábitos…

Quer dizer… Pelo menos funciona assim pra mim. Tem muito imponderável neste mundo já. Não preciso de mais uma coisa ditando os rumo da minha vida, não. E por isso que eu procuro ser moderado. Mas ó, moderação não é a mesma coisa que abstenção. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Afinal, a gente também não é espartano, né Platão? Um agradinho de vez em quando vai bem.

E por fala nisso, não quer ajudá num aí pra nós fazê uma visitinha lá pro Seu Manoel? Pode ajudá tranquilo que nós modera no desfrute.


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Advertência: Leia em voz alta

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Diojenes, o guarda carros* - III


- Eu já te falei que eu sou estoico? É mesmo, tanto assim? Mas não interessa, vou falar de novo... É pra isso que tu vem aqui, não é? Então, é isso aí que eu sou. E isso quer dizer que eu tenho uma atitude, hã… uma forma própria de encarar as coisas. Uma filosofia, isso! Uma filosofia de vida. Por isso o pessoal vem aí conversar comigo, ouvir minhas histórias e levar umas ideia pra casa. É ou não é assim, Platão?

E a coisa mais importante prum estoico é aquele lance de aceitar as coisas que não dá pra mudar, lembra? É um jeito de encarar o mundo, entende? De controlar teus sentimento e não te gastar com picuinha atoa. Vou te dá um exemplo. Tu chega ali no Spidi com uns troco no bolso e pede um salada pra descolar as parede do estômago. Todo mundo sabe que milho e ervilha é acessório, um bagulho a mais que alguém inventou de meter no xis sabe se lá pra que. Mas agora a coisa virou um clássico e a maioria dos xis vem com esses grão de contrabando. E adivinha quem vem de fábrica no teu salada? Eles mesmo. A dupla dinâmica: te vejo amanhã e gás inerte. O que tu faz daí? Te adianta e pede sem milho e ervilha de largada? Ou aceita a presença deles ali e manda pra dentro de qualquer jeito?

Uma atitude estoica de verdade é aceitar os grão e comer o xis com tudo. Claro que dá pra pedir sem, tá no direito. Só que isso é tipo um treinamento mental, saca? Se o xis é feito assim, tu aceita que o xis é assim e pronto. Sem essa de ficar escolhendo o que tu prefere mais. Na vida é assim, pomba! Ou tu acha que quando o demiurgo, ou o acaso, te mandarem um caroço tu vai poder pedir sem grão? Hein? Tu acha que no mundo real tu vai poder espiar pra dentro do pão, fazer carinha de nojo e pedir pra troca? A vida não tem balcão de reclamação, não. Tu vai tê que matar no peito e desenrolar a história o melhor possível.

Entendeu qualé da filosofia? Pode parecê bobagem pra quem tem muita escolha, mas pra mim e pro Platão aqui funciona tri bem. Aliás, o Platão é o mais estoico dos estoicos. Sempre com a atitude certa relação a tudo. Faça chuva ou faça sol ele… Se bem que nunca vi ele comendo milho. Mas igual, isso não vem ao caso. O importante é que na hora do macaquinho ele nunca faz careta, come de boa o que tem. Não interessa se é igual a de ontem, se tá frio, ou se tá tudo misturado. É a boia do dia e a gente faz o melhor que pode com ela.

E assim a gente vai levan… Segura aí um pouquinho. (Opa! Muito obrigado, minha madrinha! Muito obrigado, mesmo. Vai na paz dona!). Viu só? Hoje descolamos um rangão destes! Mas a atitude é a mesma, né Platão? Hehehe, cusco safado...

Tá servido guri? Não tem milho e ervilha… Então dá licença que a gente tá com fome.



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* Advertência: Leia nu em voz alta


terça-feira, 24 de julho de 2018

Diojenes, o guarda carros* - II


- Puta que o pariu! Que encheção de saco essa história dos despejos. Tá cheio de nego na rua agora torrando a paciência. Que que esse filha da puta tinha que tirar essas pessoas daquele prédio? Não tavam incomodando ninguém, tava até abandonada aquela merda antes.

Mas tudo bem… E sou estoico, manja? Ah, é, te falei daquela vez já. É, então, isso quer dizer que eu procuro aceitar as coisas que não posso mudar… Não, não tem nada a ver com acomodado! Tem a ver com reconhecer que nem tudo tá ao nosso controle, que tem coisas que dá pra mudar e outras não. Simples assim. É uma atitude filosófica, saca? Por isso que não adianta eu ficar puto com essa história porque não tem nada que eu possa fazer. E ficar puto não vai me levar a lugar nenhum. Claro que ficar de braços cruzados não muda nada, mas ficar se lamentando num canto também não. O que dá para fazer é pensar nas coisas que dá pra mudar e mudar essas coisas aí…

Por exemplo? Sei lá eu. Não tô na pele dessa gente também. Com eles a coisa é bem mais complicada, tem família, criança, essas parada. Se fosse eu ia logo procurar outra aba pra morar, de preferência bem longe da atenção dos outros. Sim, eu sei que eles tem um projeto, uma luta comum – eu também converso com as pessoas – só tô dizendo o que eu faria na situação deles. Pra mim e pro Platão não muda muito, a gente vive simples. Aumenta a concorrência nos apoio, reduz a tolerância das pessoas, mas nada que nos assuste.

Certa feita, a gente tava numa ocupação destas, mais por ocasião do que por convicção. O Platão tava numa peste horrenda e tinha um pessoal lá dando assistência médica pra pessoa e pra bicho. Gente universitária, gente nova, cheia de ideias e sonhos, conhece o tipo? Nos abancamos uma semana num prédio do governo e ficamos lá até o Platão melhorar. Tinha tudo quanto é tipo de gente lá. E no meio daquele povo todo a gente conheceu uma guria muito simpática. Dessas de movimento social, muito preocupada com todo mundo e muito querida. Só que a moça tinha umas crise braba de ansiedade, atacava os nervo e ela passava mal de tão preocupada com tudo que ela era. Preocupava com a comida que podia faltar, com os home que podiam cair descendo sarrafo a qualquer momento, com as briga que podiam acontecer lá dentro, com tudo. E pior que de tão ansiosa que a coitada era ficava até insegura. Imagina só, uma moça estudada daquelas com medo ou vergonha de barbado vagabundo. Vai entender.

Mas o pior é que aconteceu de bem no dia que os home finalmente chutaram a porta pra desocupar, a coitada tava sozinha com uma dúzia de crianças na ocupa. O resto do pessoal da organização tava numa reunião, acho. Não lembro direito. Só sei que foi um chororô geral, capacete e coturno pra tudo que é lado. Os meganha gritando com sangue no olho e aquela criançada berrando e correndo pras barraca. Tu não faz ideia da confusão que foi aquilo! E podia ter sido muito pior, não fosse a guria essa ter pensado rápido, tomado a frente da situação e ter ido logo falar com o tal capitão.

Peitou o home de farda e explicou tudinho. Disse que só tinha criança ali, que não tinha necessidade daquilo tudo e que eles iam cooperar. Deve ter falado firme, porque o home entendeu a situação. Logo depois retirou as tropa e deixou eles se organizarem pra desocupar. Acho até que ela negociou a retirada das coisa tudo, sem despejo e sem ignorância. Baita atitude da guria! E pra tu vê, no fim não adiantou de nada toda aquela preocupação antecipada. Os home brotaram do nada e o jeito foi negociar conforme a situação. Não desesperar, não ficar se lamentando, mas trabalhar em cima do que pode ser trabalhado. Isso é ser estoico, entende?

Eu? Eu não fiz nada. Ajudei a tirar e desmontar as coisa depois. É que eu tenho alergia aguda à autoridade, sabe? Não posso chegar muito perto. O Platão aqui também não simpatiza muito, não. Ele tem uma história complicada com ela. Mas isso eu te conto outra hora que sequei a goela aqui de tanto falar. Por falar nisso, podia nos dar um apoio pruma guaraná aí, né?

Grande! Muito obrigado, mestre! Cola aí outra hora que te conto a história do Platão e as autoridades, tá.

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* Advertência: Leia em voz alta

terça-feira, 17 de julho de 2018

Diojenes, o guarda carros* - I


- Deixa eu me apresentar primeiro, sou Diojenes, guardador de carros por opção e estoico por necessidade. Nem sempre tive nessa, não, não nasci na rua, já fui cidadão respeitado, funcionário público do estado, essas coisa tudo. É… pode acreditar. Mas não deu muito certo pra mim, muita encheção, rotina e gente pequena, cabeça pequena, sabe? Não era pra mim, enchi o saco, meti o loco e nunca mais apareci. Nem sei que fim levou a boca, talvez eu ainda possa voltar, um dia, se quiser, sei lá. Não que eu queira, até porque aqui eu tô bem, tenho tudo que preciso. Tenho aquele colchão lá atrás, tenho a companhia do Platão, o pessoal quando sai do Tudo me deixa uma quentinha às vezes.

Eu sou estoico, tá sabendo? Não preciso de muito, não. Essas coisas de bacana só nos desviam da… Pera aí um poquinho. (Pode vir mais vossa excelência, desfaz tudo, isso, vem mais, ae, perfeito, muito obrigado!). Véio muquirana, sempre essa merreca… Onde a gente tava mesmo? Ah, sim, isso mesmo. Sou estoico, que é tipo uma filosofia de vida, sabe? Só que em vez de me matar para ter um monte de coisa que não preciso, vivo só com o básico e sou feliz. Quer dizer, feliz é o Platão aqui catando pulga no sol, eu vivo bem.

Esses dias passou duas senhorinhas por aqui com aqueles papeuzinhos de jesus pra entregar nas casa, sabe? Cheias de boa vontade! Daquelas que as pessoa fingem que não tão em casa pra não ter que ouvir sermão. E, bom, nessas hora é ruim não ter portão eletrônico, porque na passada elas pararam aqui e tentaram me convencer a sair da rua, arranjar um emprego, procurar jesus e tudo mais. Muito gentis as donas, mas totalmente enganadas. Lá pelas tantas uma delas, bem baixinha e gordinha, me disse que jesus era o único caminho e a resposta pra todos os males. Rá… tive que responder pra dona que eu não só não tava perdido, como já tinha tentado comer um xis jesus pra matar a fome e não tinha funcionado muito bem. Nem pra mim, nem pro Platão. E bem na hora que eu falei o nome dele ele levantou a cabeça, bem assim como ele tá fazendo agora, e olhou pra elas como que confirmando minha história. Rá… foi demais. Elas foram embora meio sem jeito e nunca mais vi elas por aqui.

Não fosse a fome que a gente passou naquela semana era uma ótima história. Sei lá, elas deve te rogado uma praga pra nós, pra mim e pro Platão. Não que eu acredite muito nessas coisa, não, mas vai saber né… Na dúvida tô evitando brincadeira com carola e com xis também, por garantia. Falando nisso, se quiser fortalecer nós com algum aí eu não me incomodo, não, viu? 

Muito obrigado chefia, isso aqui vai ajudar no sustento da semana. E, viu só, quando quiser mais falatório aí é só chegar, a rua tá sempre aberta pra conversa.

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*Advertência: Leia em voz alta