Não posso ser tocado por estes tristes olhos, que me partem o
coração, sem ser tomado por uma desoladora melancolia. Prenhe de inspiração e
tristeza, lembro-me com saudades de uma crescente admiração, de uma célere
paixão que deixou um vazio quando partiu. E sozinho na mesa do restaurante,
penso no instante em que nos cruzamos perguntando-me por que não a convidei
para um almoço? Uma gentileza apenas, nada mais.
Mas em meio ao prazer e as delícias de sua presença me recordo da
culpa e do desalento daquela ausência. E me questiono sobre as causas desta
eterna contradição. Do porquê de estarmos sempre presos entre pares de opostos
que tiranizam nossos sentimentos. Oposições que me impedem de recordar a
satisfação daquela companhia sem associá-la ao dissabor da falta.
No momento seguinte, uma certa moderação me sugere que foi melhor
assim, que no final das contas é melhor evitar os excessos das paixões. Porém,
suspeito da veracidade neste comedimento que se imiscui sorrateiramente nos
meus pensamentos, pois entre cada garfada da enfastiada refeição, suspendo o
olhar e busco por aqueles tristes olhos no rosto das passantes.
Só então me dou conta deste devaneio, e como que desperto de um
profundo sono, balanço a cabeça na tentativa de dissolver as lembranças que me
assolam. Recobro a atenção, cruzo os talheres e peço um café à garçonete
que gentilmente recolhe meu prato. Ela é bela a sua maneira, penso enquanto
admiro sua pele morena. Inspiradora, ressalto encantado com sua naturalidade ao
mover-se.
Enquanto a mirava devo ter relaxado a musculatura do maxilar, pois
ao passar os cabelos sobre a orelha ela me lançou um sorriso um tanto
constrangido com a minha cara de pasmo. Sim, inspiradora! Recordo entusiasmado enquanto
busco por uma caneta na minha pasta, um guardanapo há de servir, creio que
serão apenas algumas linhas.
Minha nova musa traz o café
à mesa ao passo que rabisco atrapalhadamente no papel. Açúcar ou adoçante?
Nenhum, respondo ao mesmo tempo em que me debato com as palavras sobre a mesa.
Após algumas tentativas frustradas, amasso o pedaço rabiscado de guardanapo e o
atiro na lixeira. Acabo de lançar fora trechos involuntários de um poema sobre seus
tristes olhos.
A fumaça do café desprende-se lentamente da xícara, penso
novamente nas condições que perpassaram nossa relação e nas razões destas
constantes recaídas. Se ao menos a situação fosse diferente, não hesitaria em
arriscar e me lançar sobre aquelas súplicas mudas, resgatá-la da prisão de
contido desespero que construiu para si. Porém a situação me faz refém, cingido
entre o receio e a saudade, sinto a necessidade de avançar, mas não encontro forças
ou disposição para esquecê-la.
Perdido neste limbo de emoções, busco por algo que sei que não
posso ter. Termino o último gole do café e investigo o fundo da xícara na
esperança que em sua borra esteja impresso o futuro. Aceitaria-o resignadamente
longe dela, contanto que não houvesse alternativas possíveis. Pois a origem maior
da minha angústia advém da possibilidade de destinos alternativos, de que o
peso das consequências resida inteiramente sobre os ombros de nossas escolhas e
que simples atos, como um convite não realizado para um almoço, possam ser
decisivos no curso de nossas vidas.


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