quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Acasos e Cafés

Não posso ser tocado por estes tristes olhos, que me partem o coração, sem ser tomado por uma desoladora melancolia. Prenhe de inspiração e tristeza, lembro-me com saudades de uma crescente admiração, de uma célere paixão que deixou um vazio quando partiu. E sozinho na mesa do restaurante, penso no instante em que nos cruzamos perguntando-me por que não a convidei para um almoço? Uma gentileza apenas, nada mais.
Mas em meio ao prazer e as delícias de sua presença me recordo da culpa e do desalento daquela ausência. E me questiono sobre as causas desta eterna contradição. Do porquê de estarmos sempre presos entre pares de opostos que tiranizam nossos sentimentos. Oposições que me impedem de recordar a satisfação daquela companhia sem associá-la ao dissabor da falta.
No momento seguinte, uma certa moderação me sugere que foi melhor assim, que no final das contas é melhor evitar os excessos das paixões. Porém, suspeito da veracidade neste comedimento que se imiscui sorrateiramente nos meus pensamentos, pois entre cada garfada da enfastiada refeição, suspendo o olhar e busco por aqueles tristes olhos no rosto das passantes.
Só então me dou conta deste devaneio, e como que desperto de um profundo sono, balanço a cabeça na tentativa de dissolver as lembranças que me assolam.  Recobro a atenção, cruzo os talheres e peço um café à garçonete que gentilmente recolhe meu prato. Ela é bela a sua maneira, penso enquanto admiro sua pele morena. Inspiradora, ressalto encantado com sua naturalidade ao mover-se.
Enquanto a mirava devo ter relaxado a musculatura do maxilar, pois ao passar os cabelos sobre a orelha ela me lançou um sorriso um tanto constrangido com a minha cara de pasmo. Sim, inspiradora! Recordo entusiasmado enquanto busco por uma caneta na minha pasta, um guardanapo há de servir, creio que serão apenas algumas linhas.
 Minha nova musa traz o café à mesa ao passo que rabisco atrapalhadamente no papel. Açúcar ou adoçante? Nenhum, respondo ao mesmo tempo em que me debato com as palavras sobre a mesa. Após algumas tentativas frustradas, amasso o pedaço rabiscado de guardanapo e o atiro na lixeira. Acabo de lançar fora trechos involuntários de um poema sobre seus tristes olhos.
A fumaça do café desprende-se lentamente da xícara, penso novamente nas condições que perpassaram nossa relação e nas razões destas constantes recaídas. Se ao menos a situação fosse diferente, não hesitaria em arriscar e me lançar sobre aquelas súplicas mudas, resgatá-la da prisão de contido desespero que construiu para si. Porém a situação me faz refém, cingido entre o receio e a saudade, sinto a necessidade de avançar, mas não encontro forças ou disposição para esquecê-la.
Perdido neste limbo de emoções, busco por algo que sei que não posso ter. Termino o último gole do café e investigo o fundo da xícara na esperança que em sua borra esteja impresso o futuro. Aceitaria-o resignadamente longe dela, contanto que não houvesse alternativas possíveis. Pois a origem maior da minha angústia advém da possibilidade de destinos alternativos, de que o peso das consequências resida inteiramente sobre os ombros de nossas escolhas e que simples atos, como um convite não realizado para um almoço, possam ser decisivos no curso de nossas vidas.

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