terça-feira, 19 de março de 2013

Dama da Lua


Apenas aqueles que já tiveram a oportunidade de se relacionar com estes seres fantásticos atestarão a veracidade de minhas palavras. No princípio, não aparentam mais que o habitual, circulam entre nós como se nada de extraordinário os envolvesse. Porém, conforme os conhecemos melhor nosso interesse tende a aumentar. Suas particularidades tênues, mas surpreendentes, passam a nos encantar em sua crescente beleza e magia.
Não suspeitei de nada quando a vi pela primeira vez, regular como a maioria das garotas que conhecia na época. Mas os indícios estavam lá, um exame mais atento de sua figura revelaria aquele brilho plácido no olhar, brilho que no futuro me seria tão familiar. Analisando em retrospectiva não hesitaria em afirmar que fui enfeitiçado. Semanas passaram como dias, meses como semanas. Vivi períodos intensos sob sua influência mágica, viagens, festas, transas, tudo isto somado a uma dependência cada vez maior de sua presença.
Contudo, havia certa inconstância em suas atitudes. Como se atravessasse diferentes fases ao longo do tempo. Em geral mulheres são seres instáveis, sensíveis a mudanças climáticas ou hormonais capazes de afetar seu comportamento. Porém nunca tinha conhecido uma que sofresse com as alterações astronômicas. Não me refiro aqui à influência dos signos do zodíaco, mas de um corpo celeste em particular. A lua.
Variados tipos de especulações sugerem a influência da lua sobre os organismos humanos. Tal como sobre as marés, a gravidade lunar seria capaz de afetar nossos humores e disposições. No entanto nada se compara as alterações sofridas por esta dama a quem me refiro. Capaz de intercalar períodos de imensa apatia com dias de pura euforia, seu bom humor contagiante dava lugar a uma indiferença glacial de uma semana para outra. Tornava-se distante, fria como a noite, e insensível a qualquer apelo meu.
Demorei muito até admitir a dinâmica desta oscilação comportamental. Afinal, há muitas outras forças atuando sobre os seres humanos antes da lua e suas quatro fases. Porém percebi que na sua intricada relação com o satélite essas possuíam um papel fundamental. Todavia, outro aspecto além das estranhas agitações relacionadas às fases da lua foi decisivo para mudar minha opinião. Numa noite particularmente marcada por excessos etílicos, ela deixou escapar palavras desconexas sobre certa descendência de uma linhagem mística e sobre filhos de Ogum.   
Tentei em vão retomar o assunto diversas vezes. Porém nunca mais obtive qualquer informação de seus lindos lábios. Determinado a descobrir mais sobre o assunto, iniciei uma pesquisa por conta própria. Busquei em todo tipo de fonte conhecida, mas não encontrei nada muito além de esoterismos e seitas de malucos.
 Preso entre uma ideia absurda e a total ausência de informações relevantes, passei a vigiá-la constantemente. Documentei e registrei cada alteração de seu instável humor na busca por uma conexão com as transformações lunares. Porém, para desespero de minha racionalidade não conseguia estabelecer nenhum padrão que coincidisse suas disposições com os movimentos da lua. Parecia haver alguma coincidência nos ciclos, mas não nos comportamentos.
Aguardava arroubos de ira, e era surpreendido por períodos de intenso afeto. Preparava-me para uma semana de plácida monotonia e deparava-me com noites de lascívia e volúpia. Contrariado, por vezes forçava e estimulava o comportamento esperado. Contudo obtinha em geral pouco ou nenhum sucesso.
Por fim suas atitudes pararam de oscilar. Apresentava, na maioria do tempo, uma insatisfação generalizada. Atordoado com aquela estabilidade, passei a atormentá-la para que revelasse sua origem mística e conexão com o satélite lunar. Foi o fim do nosso relacionamento. Após este evento permaneci por dias arrasado, sentia-me extremamente culpado e cheguei mesmo a duvidar de minhas capacidades mentais.
Hoje, porém, analisando as datas dos acontecimentos e cruzando-as com o calendário lunar percebo que um fenômeno fundamental escapou de minha atenção. Um acontecimento raro, chamado superlua estava para ocorrer dias antes de terminarmos. Fato que provavelmente explique seu comportamento estável e desfaça esta loucura em que me encerrei. É preciso que seja assim, pois caso contrário, não haverá outra forma de conviver comigo mesmo sob a sombra desta culpa.  

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