Apenas aqueles que já
tiveram a oportunidade de se relacionar com estes seres fantásticos atestarão a
veracidade de minhas palavras. No princípio, não aparentam mais que o habitual,
circulam entre nós como se nada de extraordinário os envolvesse. Porém,
conforme os conhecemos melhor nosso interesse tende a aumentar. Suas
particularidades tênues, mas surpreendentes, passam a nos encantar em sua crescente
beleza e magia.
Não suspeitei de nada quando
a vi pela primeira vez, regular como a maioria das garotas que conhecia na
época. Mas os indícios estavam lá, um exame mais atento de sua figura
revelaria aquele brilho plácido no olhar, brilho que no futuro me seria tão
familiar. Analisando em retrospectiva não hesitaria em afirmar que fui
enfeitiçado. Semanas passaram como dias, meses como semanas. Vivi períodos
intensos sob sua influência mágica, viagens, festas, transas, tudo isto somado
a uma dependência cada vez maior de sua presença.
Contudo, havia certa
inconstância em suas atitudes. Como se atravessasse diferentes fases ao longo
do tempo. Em geral mulheres são seres instáveis, sensíveis a mudanças
climáticas ou hormonais capazes de afetar seu comportamento. Porém nunca tinha
conhecido uma que sofresse com as alterações astronômicas. Não me refiro aqui à
influência dos signos do zodíaco, mas de um corpo celeste em particular. A lua.
Variados tipos de
especulações sugerem a influência da lua sobre os organismos humanos. Tal como
sobre as marés, a gravidade lunar seria capaz de afetar nossos humores e
disposições. No entanto nada se compara as alterações sofridas por esta dama a quem
me refiro. Capaz de intercalar períodos de imensa apatia com dias de pura euforia,
seu bom humor contagiante dava lugar a uma indiferença glacial de uma semana
para outra. Tornava-se distante, fria como a noite, e insensível a qualquer
apelo meu.
Demorei muito até admitir
a dinâmica desta oscilação comportamental. Afinal, há muitas outras forças
atuando sobre os seres humanos antes da lua e suas quatro fases. Porém percebi
que na sua intricada relação com o satélite essas possuíam um papel fundamental.
Todavia, outro aspecto além das estranhas agitações relacionadas às fases da
lua foi decisivo para mudar minha opinião. Numa noite particularmente marcada
por excessos etílicos, ela deixou escapar palavras desconexas sobre certa descendência
de uma linhagem mística e sobre filhos de Ogum.
Tentei em vão retomar o
assunto diversas vezes. Porém nunca mais obtive qualquer informação de seus
lindos lábios. Determinado a descobrir mais sobre o assunto, iniciei uma
pesquisa por conta própria. Busquei em todo tipo de fonte conhecida, mas não
encontrei nada muito além de esoterismos e seitas de malucos.
Preso entre uma ideia absurda e a total
ausência de informações relevantes, passei a vigiá-la constantemente.
Documentei e registrei cada alteração de seu instável humor na busca por uma
conexão com as transformações lunares. Porém, para desespero de minha
racionalidade não conseguia estabelecer nenhum padrão que coincidisse suas
disposições com os movimentos da lua. Parecia haver alguma coincidência nos
ciclos, mas não nos comportamentos.
Aguardava arroubos de
ira, e era surpreendido por períodos de intenso afeto. Preparava-me para uma
semana de plácida monotonia e deparava-me com noites de lascívia e volúpia.
Contrariado, por vezes forçava e estimulava o comportamento esperado. Contudo
obtinha em geral pouco ou nenhum sucesso.
Por fim suas atitudes pararam
de oscilar. Apresentava, na maioria do tempo, uma insatisfação generalizada.
Atordoado com aquela estabilidade, passei a atormentá-la para que revelasse sua origem mística e conexão com o satélite lunar. Foi o fim do nosso
relacionamento. Após este evento permaneci por dias arrasado, sentia-me
extremamente culpado e cheguei mesmo a duvidar de minhas capacidades mentais.
Hoje, porém, analisando
as datas dos acontecimentos e cruzando-as com o calendário lunar percebo que um
fenômeno fundamental escapou de minha atenção. Um acontecimento raro, chamado
superlua estava para ocorrer dias antes de terminarmos. Fato que provavelmente
explique seu comportamento estável e desfaça esta loucura em que me encerrei. É
preciso que seja assim, pois caso contrário, não haverá outra forma de conviver comigo mesmo
sob a sombra desta culpa.


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