Sofia observava o
horizonte atentamente. Admirava a beleza do costão rochoso ao encontrar-se com
o mar enquanto meditava sobre seus problemas cotidianos. Dilemas banais, mas que insistiam em atormentá-la, pareciam cada vez mais insolúveis aos seus olhos.
Subitamente, como se migradas de sua mente confusa, nuvens escuras começaram a
despontar no horizonte.
Como um tropel de corcéis negros
alados elas avançaram. Rugindo e ribombando, carregando o ambiente com sua
ameaça iminente. Vinham do sul. Atravessavam o oceano e erguiam-se sobre o
costão da enseada. Um quarto do horizonte encontrava-se agora coberto,
enegrecido pela tempestade que se alastrava.
Um misto de terror e
euforia correu pelas veias de Sofia. Amava tempestades de verão, com suas
rajadas de vento eletrificadas e relâmpagos violentos. Porém nunca havia se
encontrado com uma numa situação tão vulnerável quanto esta.
Estava abrigada numa
cabana alugada na vila dos pescadores, próxima a praia. Uma residência humilde,
construída pelos próprios pescadores para receber turistas no verão. Uma
estrutura ótima para essa finalidade, mas pouco confiável como proteção contra
vendavais.
Sofia voltou apressada
para vila em meio a janelas que estouravam contra esquadrias e mães nervosas
que recolhiam suas proles para dentro das casas. Sua pequena cabana parecia-lhe
ainda mais frágil diante do vento que fustigava o telhado de folhas de
palmeiras. Entrou correndo e fechou todas as aberturas o melhor que pode.
No interior, um silêncio
perturbador reinava. Apenas sua respiração ofegante, ritmada pelo acelerado coração,
era perceptível. Lá fora parecia que o temporal havia cessado. Nenhum uivo do
vento, nenhuma gota no chão, nada além do ruído de seu próprio corpo.
Estimulada pela dose de
adrenalina injetada em sua circulação, Sofia ansiava em espiar pela janela.
Entretanto conhecia de cor muitos ditados da sabedoria popular, recitados infindáveis
vezes pelo seu avô. E como a própria alcunha já afirma, tratam-se de pequenas
doses de conhecimentos observados condensados em poucas palavras. Portanto,
legítimos o suficiente para serem levados em consideração em momentos como
esse.
Conforme suspeitado,
tratava-se apenas da calmaria que precede a tormenta. Um breve hiato concedido
pela tempestade. Uma tomada de fôlego talvez, um instante de armistício entre o
céu e a terra antes da derradeira investida.
A cabana agora rangia e
estalava completamente com o açoite dos ventos. Sofia tremia ainda mais.
Porções enormes do telhado eram arrancadas e arremessadas quilômetros de
distância. Porém, a despeito desta violência, o interior da cabana parecia
ainda mais escuro. Como se o denso breu da tempestade adentrasse e preenchesse
o pequeno abrigo.
Sofia estava apavorada.
Encolheu-se atônita onde estava enquanto observava a cabana ser destroçada pela
força do vendaval. Parecia-lhe que não havia nada que pudesse ser feito, seria
inevitavelmente jogada como uma daquelas débeis folhas de palmeiras.
No entanto, motivada pelo
pavor, uma lembrança antiga lhe ocorreu. Recordou-se de uma tempestade tropical
como essa que experimentou, quando ainda criança, na companhia de seu pai. Na
ocasião refugiaram-se sob um marco da casa da praia enquanto, á luz de uma
pequena vela, rezavam para todos os santos que lembravam.
Reuniu então todas as
forças que sobraram e correu para baixo do marco que separava a única peça
do restante da casa. Encolhida contra o batente rezou para todos os deuses que
conhecia, sem muita convicção. Pensou no pai e no quanto gostaria que ele estivesse
junto a ela novamente. De alguma forma apenas esse sentimento a consolou, e
passou a rezar para o próprio pai como um ser capaz de auxiliá-la nessa hora. Intermináveis instantes se passaram nesta situação.
Quando Sofia voltou a
abrir os olhos a tormenta já havia passado e levado consigo grande parte da
vila dos pescadores. Do seu frágil refúgio sobrou muito pouco. Sobre sua
cabeça, além do velho marco, apenas o imenso céu azul. Qualquer vestígio de
tempo ruim havia sumido.
Restou-lhe apenas uma
sensação de clarividência e satisfação nunca experimentadas antes. Como fragmentos
de um padrão até então incompreendido, que no instante seguinte adquire
sentido, tudo passou encaixar-se na sua mente, nenhum problema mais parecia ter importância. E uma sentença latejou em seus lábios de maneira quase inaudível – depois da tempestade vem a bonança.


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