Existem episódios extremamente marcantes ao longo de nossas vidas, raros momentos que, por razões completamente desconhecidas para nós, inscrevem-se em nossas memórias para sempre. Assim ocorre com algumas músicas quando as escutamos pela
primeira vez, causam uma impressão tão forte que são capazes reverberar aquele instante para o resto de nossas vidas. E assim foi com Riders on the Storm do Doors para mim.
Lembro até hoje, em detalhes, a situação e a sensação quando tive o primeiro
contato com aquele inebriante som.
Não sabia quase nada sobre Doors ou Jim
Morison, muito menos sobre o Huxley ou experiências com ácido. Porém aquele
ruído de chuva e trovões, acompanhado daquelas distantes notas de teclado, soaram
para mim como um mundo inteiramente novo. Apesar de vago, o conjunto da música me
sugeria um sentido quase tangível. Eu facilmente conseguia imaginar uma cena para aqueles sons: um homem solitário caminhando sob a tempestade a beira de
uma estrada deserta. Mais que isto. Eu conseguia imaginar a chuva e o assassino
do lado de fora da minha janela.
Era exatamente aquilo que eu e meus amigos
queríamos fazer na época, algo que sugerisse universos distintos e
palpáveis, oníricos, mas verossímeis. Ainda não sabíamos por que meios iríamos
realizá-lo, mas com certeza este era o efeito desejado. A empolgação era
imensa, uma corrente incessante de ideias jorrava de nossas mentes para nossas
bocas numa velocidade que tornava as primeiras esquecidas no instante seguinte.
Ninguém tinha nenhum plano de como colocá-las em prática, o mais importante era
como viver aquelas ideias.
Emulados por estes sentimentos, partimos embriagados
em direção a toda sorte de aventuras e empreitadas que pudessem culminar em uma
experiência autêntica. Escrevemos roteiros, músicas e contos; pegamos carona,
experimentamos drogas e acampamos em terrenos baldios; buscamos nas mais
diversas fontes inspiração para nossas angústias e desejos de expressão. Porém,
apesar de todos os esforços, aquele deslumbramento inicial parece nunca ter
sido alcançado novamente.
Pelo contrário, as sensações pareciam
esmaecer cada vez mais em relação às experiências anteriores. Como num processo
de gradual desencantamento da realidade, passamos a ajustar nossas expectativas
às possibilidades mais concretas. Reduzindo nossas ambições ao plausível, e
desejos ao provável. Amadurecemos a duras penas, acumulando instrutivas
derrotas, mas que deixavam um gosto amargo na boca. Alguns desistiram antes
mesmo de tentar, outros, merecedores de toda minha admiração, seguem lutando.
Hoje, quando reflito sobre o mundo de
possibilidades que havia na época, um sentimento lúgubre invade minha alma.
Porém quando recordo as dantescas tentativas e os mirabolantes projetos,
contrastados pelos minúsculos recursos, uma saudosa vontade de tentar novamente
parece-me inspirar. Ainda que por um breve momento, reúno forças para debelar
a inércia e superar o marasmo. Um lampejo de criatividade parece surgir em meio
a uma imensa e escura nuvem de burocracia.
Às vezes trata-se de um mero estalo, sem
forças suficientes para desencadear algo maior que uma iluminação parcial da
situação. Mas por outras possui a intensidade necessária para me levar de volta
para aquele quarto, ao som daquele gotejar constante, marcado pelo ribombar dos
relâmpagos, quando tudo ainda era possível e a imaginação não tinha limites.


Cara, não vivi essa época contigo mas entendo perfeitamente esse teu sentimento... E acho que tu precisa colocar uma dessas idéias em prática... vamos trocar uma idéia uma hora dessas, talvez exista algo que dê pra realizar junto, fica mais fácil.
ResponderExcluirValeu André, tu tá na lista dos merecedores da minha admiração...
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