Não há nada mais pavoroso na experiência do
que a tomada de consciência de uma obsessão, somente quem já vivenciou tal
sensação é capaz de compreender o horror de uma ideia ganhando sua mente pouco
a pouco por completo. No princípio sempre surge como algo remoto e incipiente,
uma bobagem ocorrida a esmo por uma casualidade qualquer. Até graça achamos de
cogitarmos uma possibilidade tão distante. Mas o aumento da frequência traz o
assombro, que nos leva a pensarmos ainda mais no caso. E quando finalmente percebemos
algo de errado, o círculo vicioso da obsessão já se encontra fechado.
Cada passo dado na direção contrária
retorna inevitavelmente ao ponto de origem, todo esforço realizado
intencionalmente visando um objetivo diferente reforça ainda mais o alvo da
obsessão. Alguns me tomarão como louco após este relato, porém, alego para
minha defesa que qualquer ser humano cuja vida foi obscurecida por uma imensa
sombra, capaz de pairar sobre cada ato seu, teria agido de forma semelhante a
minha.
Na época em questão trabalhava regularmente
numa indústria de equipamentos mecânicos, um trabalho enfadonho, mal remunerado
e extremamente tedioso, mas suficiente para pagar meu aluguel e minhas contas.
As horas arrastavam-se lentamente naquela linha de produção ininterrupta,
qualquer pretexto para se ausentar daquele ritmo contínuo e desgastante era
válido, banheiro, doença, almoço, tudo. Porém eu era um dos mais assíduos
trabalhadores da minha unidade. Embora odiasse aquilo, me permitia divagar
quilômetros de distância enquanto me debruçava sobre a linha, perdia-me em
pensamentos distantes, remontando filmes e relembrando livros há muito lidos,
durante infindáveis horas.
Ao cabo de alguns meses de serviço fui
chamado à secretaria, apenas se ia à secretaria por dois motivos, promoção ou
demissão. Como era muito novo na empresa estava resignado e convicto de que se
tratava do segundo caso, porém, para minha surpresa, havia sido promovido a
supervisor da linha. Passei o restante do dia numa sala de treinamentos,
recebendo instruções sobre a atividade e as responsabilidades de um supervisor
de linha, meus honorários aumentariam também, mas nada significativo. A grande
promoção estava no status e na relevância da função para a firma.
Tamanha era a importância do cargo que toda
a segurança da linha encontrava-se sobre minha responsabilidade, a ênfase sobre
este aspecto foi imensa. Entre outras atribuições menores, eu seria o
encarregado de acionar o botão de parada imediata da linha em caso de
emergência. Durante à tarde do treinamento fui brevemente apresentado ao dito botão
de emergência, era um botão vermelho vivo, protegido por uma barreira de
acrílico, identificado por grandes letras amarelas: “Parada de Emergência”. Foi
neste dia que a obsessão teve inicio.
Como fazia parte da minha função, passei a
observar o botão constantemente. No princípio com o intuito de não perdê-lo de
vista em caso de uma eventual necessidade, depois comecei a questionar-me como
seria esta parada, o que ocorreria com as máquinas, quais seriam as
consequências da minha atitude. Gradualmente
a ideia de pressioná-lo foi ganhando cada vez mais espaço na minha mente, sabia
que não deveria fazê-lo sem a estrita necessidade, porém algo extramente forte atraía
meus pensamentos com uma intensidade sempre maior nesta direção.
Muito estranha é a mente humana, sem a
menor justificativa racional é capaz aferrar-se a um pensamento fixo, sem que
nada seja capaz de demovê-la. O maldito botão passou a preencher meus dias na
empresa, até mesmo em casa a ideia me assombrava de maneira recorrente. Um dia,
contudo, acordei resoluto, acionaria aquele botão sem me importar com as
futuras consequências. Tratava-se de uma situação insustentável, minha
capacidade de raciocinar encontrava-se extremamente debilitada e apenas a pressão
de meus dedos contra aquela superfície vermelha seria capaz de aliviar-me.
As primeiras horas do turno foram
horríveis, uma tensão imensa dominava meu corpo, lutava cada minuto contra minha
própria resolução. Próximo ao meio dia estava exausto e combalido, derrotado,
entreguei-me a uma espécie de transe. Caminhei lentamente em direção à
botoeira, levantei sua transparente proteção de acrílico e hesitei por um breve
momento. Súbito, um grito lancinante de dor ecoou por todo o pavilhão, era música
para os meus malditos ouvidos, soltei um suspiro aliviado e pressionei bruscamente
o botão. Um tremendo estrondo de metal rangendo e vapores sendo aliviados
adveio como consequência, uma sombria orquestra para uma mente obsecada.


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