sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Bukowski e Wolff

Reza a lenda que Charles Bukowski e Fausto Wolff encontraram-se certa vez num boteco mal freqüentado nos arredores de São Francisco. Fausto já estava lá quando Bukowski chegara direto de uma seqüência de páreos mal sucedidos. Não havia muitos outros além deles e do barman no local. Bukowski sentou no extremo oposto do balcão e pediu uma garrafa de Daniel’s e um copo, ao que Fausto brindou com um gesto com seu copo cheio da mesma bebida, que matou de um gole só.

Ficaram por muito tempo sentados bebendo seus uísques em silêncio, ouvindo uma série de antigos jazzes que tocavam num jukebox tão velho quanto os sons que emitia. Mal sabiam o quanto tinham em comum aquelas almas torturadas, o quanto tinham a dizer um ao outro e a compartilhar em termos de sentimentos e trajetórias. Porém o silêncio reinava densamente. Mas seria uma questão de tempo até o álcool fazer efeito, as línguas se soltarem e os ânimos se animarem.

Bukowski ia para a segunda garrafa, o que Fausto acompanhara no mesmo ritmo e com a mesma devoção. Nenhum dos dois saberia dizer quem começou, de fato creio que negariam o ocorrido, mas instaurou-se uma disputa silenciosa de quem agüentava mais trago. Dois egos imensos inflamaram-se ainda mais e puseram-se a entornar seus copos. Ambos sabiam que o ritmo da bebedeira precisava ser controlado, pois o primeiro que se pusesse a beber compulsivamente estaria derrotado. Era preciso ditar um ritmo capaz de pressionar o adversário, mas possível de ser administrado.

A diferença entre eles era de 20 anos, um espaço de tempo considerável em qualquer etapa da vida. Porém nem o velho teimoso, nem o imbecil atrevido iriam ceder ao seu adversário de balcão. Por vezes fingiam não prestar atenção ao outro e desviavam o olhar para outra coisa no bar. Mas o clima de disputa era tão pesado que até mesmo os poucos que lá estavam pareciam estar concentrados no duelo entre os dois etilistas. Um bookmaker oportunista aproveitaria a situação para fazer um extra. As apostas favoreceriam Bukowski, prata da casa já curtida pela idade.

Fausto pediu a terceira garrafa meio em inglês meio em português “Give me mais um Daniel’s”. O barman já desconfiado da possibilidade de não ser pago por todo aquele uísque pediu para acertar a conta por garantia. Do fundo do seu imenso ser, Fausto puxou um suspiro, encarou o homem atrás do balcão, levantou-se do seu banco e puxou sua carteira do bolso de trás para pagar pela bebida. No desenrolar desta ação o barman aproximou-se de sua escopeta clichê escondida abaixo do balcão e respirou aliviado quando Fausto estendeu a mão com o dinheiro.

Simultaneamente Bukowski matava seu ultimo gole e batia com força o copo contra o balcão. Pedia mais uma garrafa, ao que o barman procedeu da mesma forma e com a mesma desconfiança. Porém o velho safado estava quebrado, não tinha dinheiro nem para a primeira dose. E sem alterar sua expressão pediu para pendurar na conta que não tinha. O sacana do barman negou veementemente e deu de ombros ao velho, que não teve alternativa se não levantar e se dirigir lentamente a saída.

O duelo havia acabado. Por causa de um punhado de dólares ninguém saberia quem era capaz de agüentar mais bebida. Fausto, que já havia participado de uma centena de duelos de boteco, sabia reconhecer um adversário a sua altura. Embora aquele velho não parecesse fisicamente páreo para ele, algo na sua atitude displicente, mas confiante indicava a existência de um ser humano suficientemente sofrido para entendê-lo. Um verdadeiro poeta cotidiano escondido por trás daquele semblante carrancudo carregado com um olhar de malicia e ironia.

Ao passo que Bukowski cruzava a porta de saída, Fausto tomado de um impulso levantou-se abruptamente chamando-o. Há quem diga que fora um lapso de empatia, uma disposição momentânea de pagar mais uma rodada para um semelhante. Ou talvez um reconhecimento maior ainda, um espelhamento capaz de gerar uma atitude esperada pelo outro, como um reflexo previsto. O fato é que quando Bukowski, sob o marco da porta, virou-se, Fausto sorrindo-lhe ergueu o copo de uísque no ar na forma de um debochado brinde. Bukowski assentiu levemente com a cabeça mostrou-lhe o dedo médio da mão direita, virou-se e foi embora.

2 comentários:

  1. Lendo fiquei pensando no bar que os dois poderiam ter bebido. meu deu sede e vontade
    de voltar a meus curtas em S8.

    Valeu.

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