quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Ceva na Tarde

Sol de rachar cuca, tarde de verão na cidade, estavam numa mesa na calçada do bar. Tomavam cerveja enquanto conversavam sobre suas mulheres, já haviam passado pelo futebol e pelos empregos. Não tardariam a chegar na "política", divergiam em alguns pontos particulares, mas no geral concordavam. Estavam descrentes em relação a qualquer coisa que pudesse partir das instituições vigentes, não tinham esperança na esquerda e tampouco na direita, ONG's e movimentos sociais, aos seus olhos, não pareciam capazes de mudar a situação, por mais que alguns obtivessem êxito em suas causas muitos outros se empenhavam em causa própria. Contudo, a realidade estava longe de ser satisfatória para ambos, Mikhail argumentava sobre a banalização das desigualdades e o quanto lhe incomodava ver alguém procurando comida no lixo ao seu lado. George falava sobre a complexidade do contexto e da cumplicidade da imprensa, lembrou-se de um argumento usado por outro interlocutor em uma outra discussão (estes assuntos se repetiam quase que invariavelmente), sobre a demanda da população pela programação televisiva e a pauta dos jornais, o que concordaram não se tratar de um argumento muito bom, pois continha implícito uma carta branca para transmitir qualquer porcaria com apelo comercial.

Estavam numa verdadeira sinuca ideológica, precisavam fugir das respostas hipócritas que visavam apenas a manutenção da ordem estabelecida, porém não encontravam alternativas capazes de modificar esta triste realidade. "Precisamos de uma lógica que seja mais humana", George concordou e acrescentou "Justamente, que priorize as pessoas e as trate como seres humanos", enquanto digeriam o que haviam dito as palavras ficaram pairando sobre a mesa do bar como sentenças fantasmas, ao passo que um sentimento de possibilidade, de viabilidade crescia novamente no âmago dos dois. "Uma Revolução!" irrompeu Mikhail, "É disto que precisamos, uma que seja cultural e estrutural simultaneamente". "Que parta das mesas dos bares e da resolução das pessoas" acrescentou George. "Claro, somente assim não haverá necessidade de algo arbitrário e exterior a elas". Ficaram por um tempo satisfeitos apreciando a idéia, até surgir a dúvida "Mas quanto tempo demorará para chegarem a esta resolução?". "Sem falar na pressão que é exercida de forma ampla e maciça em sentido contrário".

O silêncio voltou a imperar sobre a mesa, mas de uma forma triste e melancólica, ambos ficaram pesarosamente quietos e pensativos, chamaram o garçom e trocaram para a vodka, esvaziaram suas carteiras e encheram suas caras. A realidade tornava-se um pouco mais suportável.

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