Está
feito, tomamos a decisão sem te consultar ou te perguntar. Eu pediria
desculpas, mas não há outra forma de fazer isso e provavelmente voltaremos a
tomar decisões ao teu respeito sem te consultar muitas outras vezes. De
qualquer forma, agora não há mais volta, estás fadado a viver.
Não
vou te mentir, as expectativas são altas e o desafio é grande. Vens a um mundo
em permanente crise e ameaçado pelos mais terríveis prognósticos. Apesar disso,
acredito que tenhas tido sorte, tua mãe é o ser mais amoroso e capaz que
conheci em todos esses anos. Vais aprender com o tempo que ela está sempre
preparada para tudo e nunca vai te deixar faltar nada. Já te aviso, em 99% das
ocasiões ela está certa e não adianta teimar, só piora a situação.
Da
minha parte também espero corresponder às expectativas. Tive alguns bons
exemplos paternos e pretendo usá-los como referência. Sei que nem tudo ocorre
como esperamos e que cada história é uma história, mas acredito em algumas pequenas
coisas essenciais que herdei ou aprendi com esses exemplos. Nada muito
elaborado, coisas básicas mesmo, que nem sei muito bem como traduzir em
palavras, tão perto estão dos afetos. Estão mais pra atitudes, comportamentos
que carregam consigo ensinamentos cotidianos.
Demorei
um pouco pra elaborar isso e provavelmente vou aprender muito mais na prática,
mas acredito no pescar do teu bisavô, de olhar tranquilo e fazer meticuloso;
nas torradas ligeiras do teu avô, repletas de energia, salame, queijo colonial,
tomates e o que mais tiver na geladeira; e na providência austera do meu
padrasto, permeada por um emaranhado de cobranças e estimas. Não sei bem como
equacionar esses elementos, nem se isso é possível, mas acredito na importância
deles para a minha formação.
Acredito
no saber, na curiosidade e na contemplação de coisas simples como o amanhecer.
E por isso sonho em poder te levar para o mar, sentir a areia úmida sob os pés
e te ensinar as direções do vento. Acredito no engenho e na indústria, no fazer
pragmático das próprias mãos rudes. E por isso quero cortar grama contigo,
construir e destruir coisas, limpar, plantar e colher, errar e fazer tudo outra
vez até acertarmos. Acredito ainda no sustento, no senso de responsabilidade
que tenho contigo e em todas as implicações vinculadas a essa relação. E com isso
espero possibilitar as melhores condições para o teu crescimento e
desenvolvimento.
Tudo
isso são expectativas, sonhos que espero concretizar junto a tua mãe ao longo
dos próximos anos. Sei que a paternidade vai muito além disso e envolve muitas
coisas bem diferentes dessas, mas esta é uma carta para ti nesse momento
incauto da gestação, um guia de intenções para a viagem e para me ajudar a
organizar os sentimentos.
Não
sabes, mas chorei de alegria quando ouvi teu coração de mar fluir pela primeira
vez num refluxo contínuo. Foi a primeira vez que me dei conta do que estava
realmente acontecendo. De lá para cá esse sentimento tem ido e voltado,
crescendo e minguando conforme o dia e a situação. A distância não ajuda, é
verdade, queria estar do lado de vocês o tempo todo, compartilhando cada
novidade. São as contingências, meu filho, temos que apreender a lidar com elas
desde muito cedo.
Mas
estou fazendo força para voltar. Espero muito poder estar com vocês até maio.
Não
corre, não, Dilan. Deixa o pai voltar. Sinto que já estou perdendo e não quero
perder nada...
Com
amor, Pai.


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