Tia Maluca, ela se chamava assim de vez em quando depois de uma
gargalhada gostosa meio descontrolada. Não sem algum fundamento,
pois a tia Clarice era qualquer coisa, menos convencional. Aliás,
suspeito que a tia não se dava bem com nenhuma convenção ordinária
ou normalidade. Descendente direta de Cleópatra, discípula trans
temporal de Van Gogh, pintava e moldava o mundo a partir de sua
perspectiva inconforme. Não fazia muita questão de ajustar-se a
ele, presava por seus amigos queridos, familiares confidentes,
hábitos sagrados (café e cigarro) e levava o resto ao seu modo. Um
modo todo dela, que desde muito cedo testemunhei, mas que custei a
entender.
De fato, foi preciso que eu me afastasse dessa experiência,
estudasse e debatesse propostas revolucionárias de sociedades que só
existem em teoria, para compreender o que a tia Clarice e o Lauci já
me ensinavam há anos na prática: amor, tolerância e diversidade.
Mais que definir e defender valores a partir de bases teóricas, a
tia, junto do seu inseparável companheiro, vivenciava-os. Tendo o
afeto como principal força motriz, eles formaram as mais heterodoxas
e interessantes famílias que tive o prazer de conhecer.
E seguem formando, segurando as pontas nos momentos mais difíceis e
oferecendo abrigo nas tempestades, de quebra ainda tensionam
convenções e afrontam bons costumes. Só que a Tia Maluca não
pinta mais por aqui, deixou seu legado de quadros e mulheres em
perfil espalhados pelo mundo. Olhando meio de lado, como num convite
para um café e um cigarro àqueles que não temem o extraordinário.


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