sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Tardes de Chuva

Dias de chuva sempre tendem a melancolia. Não há nada mais propício para refletirmos sobre nossas vidas do que uma árvore balançando ao vento vista através de uma janela embaçada. O mundo molhado lá fora parece repercutir nossas angustias interiores, potencializando-as e nos convidando à introspecção. A umidade no ar adensa tudo, o vapor do chá quente que se desprende lentamente da borda da xícara, a fumaça do tabaco que se esvai pela fresta da vidraça, e até mesmo a existência, essa inefável presença, parece pesar mais sobre nossos ombros.

Há quem amaldiçoe esta condição, lamentando o isolamento compulsório e o marasmo envolvidos. Porém, para aqueles como eu, que apreciam o ruído da gota que cai e da água que corre, não há nada melhor para revisitar-se. Com certa tristeza, é verdade, pois nem tudo são flores nos meandros da alma, mas com uma dedicação impensável em outras situações.

Motivado pela monotonia úmida, esse convite à reflexão sugere um vago paralelo com a prática espeleológica. Em que bravos indivíduos, impelidos pelo amor ao conhecimento científico ou a beleza natural, exploram o interior desconhecido das cavernas. Essa comparação justifica-se, pois vasta e imprevisível como as cavernas é alma humana, com suas amplas galerias banhadas pela luz externa e seus infinitos recônditos obscuros.

E como tal, é necessária certa prática para não cair e ferir-se nas suas armadilhas interiores. Onde é preciso atentar ao caminho percorrido, evitando fendas intransponíveis e percursos labirínticos, para poder retornar desta jornada. Portanto, há em ambos os casos caminhos que devem ser evitados quando se encontra debilitado.

Perseguir a linha de um antigo amor, por exemplo, pode ser algo extremamente perigoso quando ainda não se está plenamente recuperado. Porém, não há nada mais motivador quando a chuva larga e contínua escorre pelo vidro. E foi justamente assim que procedi naquela tarde. Tomado pela nostalgia do contexto, revisitei os momentos mais belos, os espaços mais amplos e iluminados de minha história com ela.

A revi saltar sobre poças noturnas, sorrindo no reflexo das águas que se rompiam ao seu passo e lembrei de quando dividíamos o espaço sob a marquise, estreitando nossos corpos contra a parede. E perguntei-me como foi possível desviar de forma tão brusca do trajeto desejado. Insisti na questão e o refiz, tropeçando nas mesmas pedras e escorregando nas mesmas brechas.

Busquei repensar escolhas passadas e trilhar caminhos alternativos, mas me deparei sempre com os mesmos becos. Insisti tanto no esforço que me perdi em meio aquelas galerias sem fim. Após algum tempo vagando ainda escutava o canto tímido dos pássaros e a chuva batendo lá fora, mas não conseguia mais voltar. Da mesma forma que observava a árvore por entre a janela embaçada, passei a enxergar o mundo a minha frente, o chá que esfriava sobre a mesa e o tempo que se esvaía sem que eu conseguisse retornar.

Percebi minha família e amigos tentando interagir, mas me tornei incapaz de responder. A vista tornou-se cada vez menos nítida, até a perda completa do contato externo. Resignado a minha sorte, só me restou vagar por entre este complexo de brechas, fendas e salões da mente, repisando trajetos ao som de um gotejar constante, que me parece ecoar para sempre, de uma única e originária gota.