terça-feira, 19 de novembro de 2013

Sagração da Primavera

Que tal espiarmos a lua lá fora, ele sugeriu, tomar um ar e nada mais. Ela sabia que este tipo de convite nunca é gratuito ou desinteressado, mas a festa estava enfadonha e o calor opressivo. Além do mais, ele não era de todo desagradável, fora o ar petulante e as perguntas ensaiadas parecia ser uma pessoa interessante. Mas bem que podia estar enganada, como já ocorrera outras vezes. De qualquer forma era uma quente noite de primavera e um cigarro ao ar livre não faria mal.
A varanda era realmente grande, repleta de vasos e ornamentos exóticos, vastas folhagens escorriam pelas paredes e ramos das mais diferentes flores emanavam seus aromas em todos os cantos. A lua estava cheia e imensa, tal qual um enorme holofote suspenso no céu, lançava sua pálida luz sobre aquele jardim improvável, cravado a onze andares do chão no centro daquela cinza floresta de concreto.
Seu papo mole continuou por alguns minutos, chocando-se contra o muro de indiferença e tédio erguido por ela. Todavia o ambiente estava envolvente demais para que as coisas permanecessem nesta condição. Relativamente frustrado ele calou-se e passou a contemplar o céu parcialmente estrelado, acendeu um cigarro para ela e relaxou um pouco em suas investidas.
O efeito foi quase instantâneo, entre as lentas baforadas que se dissolviam no céu noturno, ela passou a reparar nos seus traços e movimentos tranquilos. Sua presença passou a inspirar-lhe conforto e segurança, mais que isto, passou a desejá-lo. E sem que pudesse perceber sorria com sinceridade. Ele, contudo, percebeu a mudança.
Vacinado, se manteve em silêncio. Aproximou lentamente seu rosto do dela e sem desviar o olhar beijou-a. A noite, que já estava quente, incendiou-se, e um calor tremendo invadiu seus corpos. Cada centímetro quadrado de seus seres ansiava pelo contato, apertavam-se e tocavam-se vorazmente. Não havia mais ninguém na varanda além deles, mas inúmeras janelas dispunham-se de frente ao parapeito. A cidade fervia e pulsava diante deles. Incontáveis vidas transcorriam naqueles retângulos acesos e isto os contagiava de uma forma inexplicável.
Sua mão percorria toda a extensão do corpo dela, seu vestido, outrora refrescante e confortável, grudava na pele devido ao suor e a sufocava. O barulho da festa, das pessoas rindo e mentindo no salão, abafava seus ruídos crescentes. Arfavam e gemiam, mordiam-se e se desejavam com uma intensa volúpia. Sem maiores cerimônias ele a virou contra a mureta, em direção à noite que os assistia, e beijou sua nuca enquanto pressionava seus quadris. Tocou a lateral do seu joelho com a ponta dos dedos e subiu por suas pernas quentes até sua delicada calcinha.
As ruas abaixo deles rugiam e cuspiam pessoas por todos os lados. Como mariposas numa noite tropical elas iam e vinham em direção às luzes, chocando-se aleatoriamente. Ela gemia e mordia-se com suas carícias, estava completamente molhada e implorava por seu contato. Sem poder mais se controlar ele arrancou-lhe a roupa íntima, abriu suas calças e tomado pela excitação libertou-se de suas vestes.
A noite seguia em plena atividade quando levantou seu vestido e a penetrou com prazer. Todos estavam acordados, bebendo, cozinhando, brigando ou latindo. Toda a cidade pulsava ritmada por aquele calor embriagante. Parecia que todos evitavam suas camas e moviam-se naquela noite. E eles pulsavam e moviam-se juntos com a cidade, gemiam alheios a tudo e a todos, mas ao mesmo tempo, em consonância com aquele imenso organismo orgástico, rumo ao clímax absoluto.
Porém toda a efervescência tem seu fim, e quando o gozo acaba a normalidade volta a imperar. Os constrangimentos retornam e a sintonia se desfaz. As luzes gradativamente se apagam e a vida desacelera. Tudo se recompõe tão naturalmente que parece nunca ter ocorrido. Mas mesmo para aqueles que buscam esquecer, noites primaveris como esta sempre deixam suas marcas, seja nas calcinhas rasgadas ou em números de telefones inexistentes.