sábado, 16 de fevereiro de 2013

Provérbios Populares


Sofia observava o horizonte atentamente. Admirava a beleza do costão rochoso ao encontrar-se com o mar enquanto meditava sobre seus problemas cotidianos. Dilemas banais, mas que insistiam em atormentá-la, pareciam cada vez mais insolúveis aos seus olhos. Subitamente, como se migradas de sua mente confusa, nuvens escuras começaram a despontar no horizonte.
Como um tropel de corcéis negros alados elas avançaram. Rugindo e ribombando, carregando o ambiente com sua ameaça iminente. Vinham do sul. Atravessavam o oceano e erguiam-se sobre o costão da enseada. Um quarto do horizonte encontrava-se agora coberto, enegrecido pela tempestade que se alastrava.
Um misto de terror e euforia correu pelas veias de Sofia. Amava tempestades de verão, com suas rajadas de vento eletrificadas e relâmpagos violentos. Porém nunca havia se encontrado com uma numa situação tão vulnerável quanto esta.
Estava abrigada numa cabana alugada na vila dos pescadores, próxima a praia. Uma residência humilde, construída pelos próprios pescadores para receber turistas no verão. Uma estrutura ótima para essa finalidade, mas pouco confiável como proteção contra vendavais.
Sofia voltou apressada para vila em meio a janelas que estouravam contra esquadrias e mães nervosas que recolhiam suas proles para dentro das casas. Sua pequena cabana parecia-lhe ainda mais frágil diante do vento que fustigava o telhado de folhas de palmeiras. Entrou correndo e fechou todas as aberturas o melhor que pode.
No interior, um silêncio perturbador reinava. Apenas sua respiração ofegante, ritmada pelo acelerado coração, era perceptível. Lá fora parecia que o temporal havia cessado. Nenhum uivo do vento, nenhuma gota no chão, nada além do ruído de seu próprio corpo.
Estimulada pela dose de adrenalina injetada em sua circulação, Sofia ansiava em espiar pela janela. Entretanto conhecia de cor muitos ditados da sabedoria popular, recitados infindáveis vezes pelo seu avô. E como a própria alcunha já afirma, tratam-se de pequenas doses de conhecimentos observados condensados em poucas palavras. Portanto, legítimos o suficiente para serem levados em consideração em momentos como esse.
Conforme suspeitado, tratava-se apenas da calmaria que precede a tormenta. Um breve hiato concedido pela tempestade. Uma tomada de fôlego talvez, um instante de armistício entre o céu e a terra antes da derradeira investida.
A cabana agora rangia e estalava completamente com o açoite dos ventos. Sofia tremia ainda mais. Porções enormes do telhado eram arrancadas e arremessadas quilômetros de distância. Porém, a despeito desta violência, o interior da cabana parecia ainda mais escuro. Como se o denso breu da tempestade adentrasse e preenchesse o pequeno abrigo.
Sofia estava apavorada. Encolheu-se atônita onde estava enquanto observava a cabana ser destroçada pela força do vendaval. Parecia-lhe que não havia nada que pudesse ser feito, seria inevitavelmente jogada como uma daquelas débeis folhas de palmeiras.
No entanto, motivada pelo pavor, uma lembrança antiga lhe ocorreu. Recordou-se de uma tempestade tropical como essa que experimentou, quando ainda criança, na companhia de seu pai. Na ocasião refugiaram-se sob um marco da casa da praia enquanto, á luz de uma pequena vela, rezavam para todos os santos que lembravam.
Reuniu então todas as forças que sobraram e correu para baixo do marco que separava a única peça do restante da casa. Encolhida contra o batente rezou para todos os deuses que conhecia, sem muita convicção. Pensou no pai e no quanto gostaria que ele estivesse junto a ela novamente. De alguma forma apenas esse sentimento a consolou, e passou a rezar para o próprio pai como um ser capaz de auxiliá-la nessa hora. Intermináveis instantes se passaram nesta situação.
Quando Sofia voltou a abrir os olhos a tormenta já havia passado e levado consigo grande parte da vila dos pescadores. Do seu frágil refúgio sobrou muito pouco. Sobre sua cabeça, além do velho marco, apenas o imenso céu azul. Qualquer vestígio de tempo ruim havia sumido.
Restou-lhe apenas uma sensação de clarividência e satisfação nunca experimentadas antes. Como fragmentos de um padrão até então incompreendido, que no instante seguinte adquire sentido, tudo passou encaixar-se na sua mente, nenhum problema mais parecia ter importância. E uma sentença latejou em seus lábios de maneira quase inaudível – depois da tempestade vem a bonança.