quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Tormenta


Entre uma baforada e outra na varanda elas surgem, espremendo seus corpos cilíndricos contra a laje molhada da mureta elas sobem lutando para escapar da água que inunda a floreira. De certa forma é culpa minha que elas estejam nessa situação, eu que trouxe elas até ali na esperança de um convívio harmônico e produtivo.
Por isso recolho cada uma que aparece e deposito, o mais gentilmente possível, num pote improvisado com terra seca. Não é muito, eu sei, mas o que mais posso fazer? Na hora me vem a mente a imagem de grupos de refugiados que se jogam as águas do Mediterrâneo, sem garantia nenhuma de sucesso, impelidos unicamente por uma vontade de viver. Um paralelo horrível produzido pela minha mente anestesiada, mas que não deixa de guardar certa semelhança e inspirar alguma humildade.
Pois, no fim das contas, sejamos vermes anelídeos ou primatas superiores, estamos todos lutando pela nossa insensata sobrevivência. Movido por essa empatia separo o que sobrou de tabaco no apartamento, ¾ de uma garrafa de vinho tinto e me sento ao lado da mureta lavada pela chuva constante. Estou preparado para uma longa noite de resgate.