Entre uma
baforada e outra na varanda elas surgem, espremendo seus corpos cilíndricos
contra a laje molhada da mureta elas sobem lutando para escapar da água que
inunda a floreira. De certa forma é culpa minha que elas estejam nessa situação,
eu que trouxe elas até ali na esperança de um convívio harmônico e produtivo.
Por isso
recolho cada uma que aparece e deposito, o mais gentilmente possível, num pote
improvisado com terra seca. Não é muito, eu sei, mas o que mais posso fazer? Na
hora me vem a mente a imagem de grupos de refugiados que se jogam as águas do
Mediterrâneo, sem garantia nenhuma de sucesso, impelidos unicamente por uma
vontade de viver. Um paralelo horrível produzido pela minha mente anestesiada,
mas que não deixa de guardar certa semelhança e inspirar alguma humildade.
Pois, no fim
das contas, sejamos vermes anelídeos ou primatas superiores, estamos todos
lutando pela nossa insensata sobrevivência. Movido por essa empatia separo o
que sobrou de tabaco no apartamento, ¾ de uma garrafa de vinho tinto e me sento
ao lado da mureta lavada pela chuva constante. Estou preparado para uma longa noite de
resgate.

