domingo, 30 de setembro de 2018

Diojenes, o guarda carros* - VI


- E eu lá preciso destas tuas moedinhas sem vergonha? Pode enfiar no cu ooo muquirana duma figa. Eu não preciso dessas porcaria, não. Não sou retardado que nem vocês. Eu me basto! A gente aqui se basta! Não precisamos delas, nem desse monte de bobagem que vocês dão tanto valor: carrão, motão, ifone, ifode...pfuu. Tudo bosta, coisa de retardado que não tem mais nada na vida. E digo mais, vocês parecem tudo uns imbecil caminhando por aí com a cara colada nessas tela, se batendo e tropeçando uns nos otro.

Vê se eu posso com esses tipo? Baita otário. Esses dias, um imbecil destes veio brigar comigo por causa dum risco que ele fez no carro sabe-se-lá-onde. Ameaçou matar eu e o Platão por causa de uma porcaria dum risco na lataria. Olha bem se pode uma coisa dessas? Fiquei sem reação primeiro, não podia que eu tava ouvindo aquilo, mas logo respondi que achava bem justo ele tentar. Só que tinha que ser na faca, eu e ele, pra desfazer um agravo tão sério como aquele na lataria. Advinha se ele topou?

Claro que não! Disse que ia chamar a polícia, o comissário, o batman e sei lá mais quem. Mas acho que ele se deu conta da burrada que tava fazendo e desistiu. Ou não também, daqui um pouco só ficou com preguiça e não quis mais se incomodar, vai saber… O certo é que era outro retardado desses dando um baita valor prumas coisa que não tem cabimento. Coisa que não se sustenta depois de dois minutos de reflexão. E pior que não é muito difícil fazer isso, não. É só para um poquinho, respirar fundo e avaliar tuas prioridades na vida.

Tu quer vê outro caso que não entendo? Cansei de vê gente cruzando o viaduto do Açorianos no fim de tarde que se depara com aquele céu de baunilha, aquele que vai pintando o horizonte pras banda do Guaíba, sabe? É, então. E tem gente que em vez de admirar e curtir aquilo, saca um destes celular do bolso e faz um retrato do céu sem nem parar de caminhar. Agora tu me diz, de que que vale aquele retrato guardado de revesgueio no celular? Hein? Não consigo entender o sentido daquilo.

Eu não guardo nada no celular, até porque não tenho estas traquitana. Se acho bonito eu paro no meio do viaduto mesmo, me debruço na mureta e curto aquele momento até o fim, até a noite tomar conta do céu e começar a esfriar. Fico ali, sentindo toda aquela mudança no ar, na pele, no corpo mesmo, saca? Não sei se eles chegam a olhar depois no telefone, mas duvido muito que seja melhor do que na hora que a coisa tá acontecendo. Ah, duvido…

Mas eu não tenho pena nem raiva desses jaguara, não. Por mim eles podiam tudo se mata de amor por seus carro enquanto registram tudo nos seus celular sem olhar pra frente. Desde que não torrassem a nossa paciência com essas suas mesquinharia.

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Advertência: Leia em voz alta.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Diojenes, o guarda carros* - V


- Puta que tá tudo molhado! Mas também, faz quantos dias que não para de chovê? O coitado do Platão chega a tar coaxando já de tanta água que deus manda. Não que a gente seja de reclamar dessas coisas, não. A gente é estoico, lembra? Só que faz dias que tamo dormindo em cima de papelão molhado. E ninguém merece dormir no papelão molhado.

Da minha parte eu até que levo de boa. Só fico assim por causa do meu parcerinho. Mais de uma vez o Platão gripou feio já. Tive que leva ele em médico de cachorro e tudo. Sorte que tem um pessoal gente boa por aqui que deu maior força pra nós aquela vez. Ganhou até biscoitinho o malebra naquele dia. Mas mereceu. Eu é que fiquei preocupado pra burro em ver o bichinho todo jururu, arrastando as pata e tossindo os bofes pra fora. Te juro que achei que ia ficar sozinho na rua de novo.

Menos mal que ele encarou tudo como um verdadeiro filósofo e conseguiu se recuperar da peste. Ficar sozinho é muito difícil... Tem gente que acha que nós tem os bicho só pra conseguir mais apoio dos outros, mas isso é gente que nunca morou na rua e não sabe como é não ter ninguém pra dividir as coisa boa e ruim da vida. O Platão aqui é o maior vigilante, guardador de carro, farejador de tesoro e prescrutador de alma que existe na banda.

É, prescrutador. Quer dizê que ele lê a alma do vivente na primeira sacada. Basta uma cherada pra ele saber se o tipo tá de má intenção ou se vem na paz. Uma vez, uns guri desalmados tavam dando volta com um galão de gasolina por aí e o Platão sacou de cara qual era a deles. Acuou na hora que eles viraram a esquina e não parou de acuar enquanto eles não sumiram na outra quadra. Fiquei com medo que ele pudesse levar um chute ou algo assim, mas ele foi esperto e não se aproximou muito também.

Sabe? Teve um tempo que nós tinha um carrinho, desses de supermercado, que a gente usava pra carregar as tralhas de um lado pro outro. E era um sarro ver o Platão passeando dentro dele. Ele ficava deitado bem pra frente, de fuço erguido e farejando o ar. Acho que ele pensava que era alguma divindade egípcia ou algo do tipo. Porque tu tinha que ver a pose de bacana que ele fazia quando andava naquele carrinho.

Beh, bons tempos aqueles. Pelo menos no carrinho tu ficava seco né, Platão?



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* Advertência: Leia em voz alta.