quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Exceções à Regra

Num raro momento fora da rotina a conheci, na oportunidade me esforcei por apresentar o melhor de mim e disfarçar o pior. Pois ela exalava uma inocência há muito esquecida em minha vida e temi assustá-la com meus desvios de caráter. Seus olhos doces e sorriso acanhado continham um frescor capaz de envergonhar o mais devasso dos lascivos, inibindo assim meu lado mais sórdido. Por isso decidi manter-me tranquilo, estava satisfeito em conhecê-la e desfrutar de sua companhia.
Sabendo o final da história há quem me acuse de astuto e dissimulado por essa atitude inicial, mas juro que procedi sem segundas intenções. Quer dizer, pelo menos nesse começo de conversa. Mas acontece que dois jogam este jogo e talvez minha primeira leitura do tabuleiro estivesse equivocada, pois me vi, após uma longa conversa íntima, enredado em uma teia de sedução onde cada movimento me atraia em sua direção.
Percebi um tanto inseguro a situação e decidi abandonar a defensiva, suspendendo temporariamente os pudores que me prendiam. Ainda meio bobo com o encantamento, procurei decifrar aquela bela figura sentada ao meu lado. Até onde minha vista alcançava usava um vestido estampado com flores coloridas e sapatilhas escuras, braços esguios e lindas pernas corriam para fora da veste. Uma leve penugem cobria sua pele morena e eriçava-se deliciosamente com a brisa.
Por via das dúvidas movi-me com cautela, contornando fronteiras e cotejando limites. No interstício de nós dois havia uma zona ambígua, relativamente segura e confortável, mas potencialmente perigosa. E ali habitamos durante algum tempo. Porém esse frágil equilíbrio caiu por terra quando ela expressou de forma despretensiosa seu afeto por mim. Dali em diante aquela condição tornou-se insustentável, a sorte foi lançada e o próximo movimento era meu.
A esta altura eu já havia abdicado do controle da situação, porém notava certa perturbação em suas maneiras. Desviava o olhar com frequência e parecia não suportar os momentos de silêncio que pesavam entre nós. Passei então a fomentar essa tensão rumo a uma ruptura. Ainda havia uma ternura no ar, mas o desejo começava ganhar terreno e manifestar-se nos esparsos contatos que ocorriam e lhe davam contida vazão.
Acariciei de leve seu braço enquanto falava e quase pude ouvir seu coração acelerar, cada toque meu era correspondido com uma onda de energia que fluía em minha direção e ampliava minha vontade de sentir sua pele. A tensão aproximava-se do ápice. Meio sem pensar, ajeitei uma mecha que pendia sobre seu rosto e a encarei, passei os dedos por trás de sua orelha e os desci até a parte posterior de seu pescoço. Não havia mais volta. Senti os pelos de sua nuca arrepiarem-se e inclinei o rosto em sua direção.
Todavia, não há nada mais imprevisível nesta realidade cósmica do que a contraparte feminina do gênero humano. Não que haja algum demérito nisso, pelo contrário, esse é um dos seus mais importantes atrativos e fonte de encanto. Porém, essa característica tende a frustrar algumas expectativas de seus pares, como a minha naquele momento.
Sua negativa foi a mais gentil e carinhosa possível para aquele contexto, mas confesso que não o suficiente para convencer-me. Na despedida, pensei eu, a despedida é infalível. Após esse auto estímulo retomei a naturalidade forçada e prosseguimos pelas bordas. Seus olhos pareciam suplicar para que eu não desistisse e seu corpo ansiava pelo toque, encontros ocasionais ocorriam com uma frequência intencional e duravam além do esperado.
Tudo se encaminhava para o clímax da despedida, inclusive nós caminhávamos lado a lado rumo ao ponto em que nos separaríamos. No momento esperado peguei na sua mão e a encarei de novo, ela sorriu longamente um sorriso tímido, baixou os olhos e beijou-me a face. Segurei-a contra mim buscando reter o máximo possível daquele momento, até ela se esvair por completo pelos meus braços. Li todos os sinais emitidos e fiz o máximo possível para conquistá-la, porém, apesar do inconfundível gosto da derrota na boca, fiquei com a impressão de que nem sempre o desfecho é o mais importante.