quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Zonas Cinzentas

Era uma manhã cinza de domingo, todo o frescor matinal já havia se extinguido, e com ele grande parte da minha disposição, porém o encoberto sol ainda estava longe do seu ápice. Naquela hora ambígua, aguardava sozinho na parada por um ônibus que não tinha certeza se passaria. Estava ali por mais tempo do que gostaria, mas era incapaz de precisar o quanto.
 Sentado no mais modesto dos bancos, aguardava distraído enquanto minha atenção oscilava entre o perto e o infinito. Pensei em me informar, mas as poucas pessoas que cruzavam por mim pareciam ainda mais distantes do que o normal, vagando como fantasmas esquecidos em sendas sem propósitos. Ainda assim eu era incapaz de encará-las por muito tempo, uma vez que meu olhar rapidamente desviava-se para detalhes que me levavam a longos devaneios.
Uma rachadura no concreto ou um padrão estampado eram suficientes para me lançar ao mais abstrato e inefável dos reinos. E quando retornava à parada não havia qualquer indício do tempo transcorrido, ou do ônibus que aguardava. Fui assim, perdendo pouco a pouco toda orientação. Sem dúvida esta foi a mais estranha e aterradora sensação que experimentei, em seguida tudo passou a dissolver-se na minha mente confusa.
Não apenas o tempo foi suspenso, mas o espaço também não fazia mais o mesmo sentido. E uma terrível insegurança em relação ao meu destino e localização se abateu sobre mim. Olhava ao redor, buscando referências, mas não as encontrava em lugar algum. Fiz esforços imensos, tentando relembrar minha torta trajetória até então, mas era tudo confusão. Perdido nesta desoladora indefinição me agarrei a minha única certeza: pegar o ônibus.
Resoluto em minha decisão, aguardei com uma ansiedade redobrada pelo ônibus em que nunca subiria. Pouco importava agora qual linha tomar, tinha a convicção de que bastava entrar no coletivo para dissipar a névoa que obscurecia meus pensamentos. Neste instante, porém, me ocorreu o quão perturbado eu deveria parecer aos olhos dos passantes e imaginei-me olhando para minha triste figura. Por um momento tive pena de mim, compaixão por aquele indivíduo solitário e perdido no tempo.
O som do pesado motor desfez a imagem e pude avistá-lo vindo em minha direção. Levantei e acenei com clareza para que parasse, porém o motorista nem sequer reduziu, cruzou por mim como se eu não existisse. Mas o pior, para a já debilitada condição mental em que me encontrava, foi a cena com que me deparei a seguir. Sentado junto à janela do ônibus avistei nitidamente minha própria pessoa. E eu tranquilamente passei por mim, encarei-me com desdém e segui imperturbado com minha viagem.
Atônito com esta visão, atirei-me novamente ao banco sem saber o que pensar. Enquanto isto a última gota de orvalho da manhã chamou minha desolada atenção, ela desprendia-se lentamente de um buraco semicoberto do precário telhado da parada. Pendida ali, mais parecia uma gota de mercúrio reluzente, pois ao encará-la me vi refletido com tamanha definição e de um ângulo tão obtuso que novamente não pude acreditar nos meus olhos.
Entretanto, para completar meu pavor, a imagem refletida pela gota convexa não era minha. Mas de um homem muito mais velho, trajado como eu, porém calvo e decrépito. Um arrepio percorreu minha espinha, e temi que minha vida houvesse passado nesta parada. Pois passei a me sentir tal qual a imagem, um ancião solitário, perdido numa indefinida manhã cinza de domingo.