quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Damas da Noite

Existem noites distintas, noites que não se confundem com as demais devido as sutis alterações que provocam no meu estado de espírito. Seus sinais não são claros, muitas vezes só os reconheço quando já estou na cama tentando dormir. É neste momento que a primeira das três insistentes damas me assedia. Após muitos minutos pensando, virando e planejando, escuto um ruído que parece vir da cozinha. Incerto, levanto para verificar.
Sob a luz pálida da geladeira aberta, com seus cabelos soltos sobre os ombros e usando pijamas, encontra-se a Insônia. Ela busca algo para comer, mas me diz que não está com fome. Caminha o tempo inteiro pela casa enquanto conversa comigo sobre o que pretende fazer amanhã. É uma mulher muito inteligente e criativa, um tanto quanto neurótica, possui ideias interessantes e ótimas sugestões para ações passadas, mas em geral sabe que não se lembrará delas pela manhã.
Mesmo assim a conversa é boa, por vezes ela fuma, em outras toma café. Porém, apesar de seus encantos como mulher, as horas parecem não passar em sua companhia. Depois de algum tempo me entedio e busco a janela. Algo lá fora parece me chamar enquanto vago pela casa conversando com a Insônia. Lentamente me dirijo à persiana e espio por entre suas frestas, sem grande alarde para não provocar ciúmes na primeira das três damas.
Lá fora está a segunda e mais sensual entre elas. Uma morena de cabelos negros e pele escura que me chama para sair escorada num poste de luz. Seu nome é Rua e ela não perde tempo, assim que piso fora de casa ela me beija e sinto todo o prazer de seu hálito fresco. Sua companhia é libertadora, com ela minha alma parece renovada e mais disposta a se expressar.
Sua figura me inspira, rimas deslavadas e poemas descuidados desprendem-se dos meus lábios enquanto contemplo sua beleza. Junto a ela as emoções se expandem, corremos e dançamos ébrios pela noite, despistando as pesadas preocupações que ficam para trás. Cansados, paramos sorrindo para respirar um instante, mas quando ensaiava uma canção desafinada para ela percebo a aproximação da terceira dama além da curva da esquina.
A luz que a antecede denuncia sua presença, cria expectativas, pois a visão completa desta dama é encantadora. Seu brilho rouba a cena da Rua e sou obrigado admirá-la por um longo tempo. Chamam-na de Lua, embora não atenda por nome algum. É uma mulher distante, cheia de insondáveis mistérios. Em geral súplicas e declarações não surtem efeito junto a ela, mas nestas noites distintas, apesar da sua reserva, me acompanha atentamente.
Este mágico instante parece durar para sempre, enquanto falo e discorro sobre todo tipo de leviandades ela apenas me encara e sorri levemente. É uma ouvinte nata, que me questiona e interpela apenas com seu olhar reflexivo. E após alguns minutos da mais pura compreensão ela afasta-se, deixando-me só com minhas inquietações. Porém estas não parecem mais tão importantes quanto antes, sinto-me muito mais tranquilo, quase sonolento.
Despreocupado e sereno, anseio agora pela cama que me espera. Despeço-me da Rua, que me sorri sem parecer disposta a parar tão cedo. Ao entrar não vejo a Insônia, apenas seu rastro de cinzas e louça suja pela casa. Todavia, deitada na cama encontra-se a última dama da noite, a única que não me procura, justamente onde a deixei.
Ela respira suavemente ao passo que dorme um sono sem mácula, seu corpo seminu encaixa-se perfeitamente ao meu. Enlaço meu braço sobre sua cintura, sinto o perfume de seus cabelos e o calor de sua pele. Lentamente minha consciência se esvai enquanto relaxo em sua companhia, rumo ao sono profundo de uma noite habitual.