Existem noites distintas, noites que não se
confundem com as demais devido as sutis alterações que provocam no meu estado
de espírito. Seus sinais não são claros, muitas vezes só os reconheço quando já
estou na cama tentando dormir. É neste momento que a primeira das três
insistentes damas me assedia. Após muitos minutos pensando, virando e
planejando, escuto um ruído que parece vir da cozinha. Incerto, levanto para
verificar.
Sob a luz pálida da geladeira aberta, com seus
cabelos soltos sobre os ombros e usando pijamas, encontra-se a Insônia. Ela
busca algo para comer, mas me diz que não está com fome. Caminha o tempo
inteiro pela casa enquanto conversa comigo sobre o que pretende fazer amanhã. É
uma mulher muito inteligente e criativa, um tanto quanto neurótica, possui
ideias interessantes e ótimas sugestões para ações passadas, mas em geral sabe
que não se lembrará delas pela manhã.
Mesmo assim a conversa é boa, por vezes ela
fuma, em outras toma café. Porém, apesar de seus encantos como mulher, as horas
parecem não passar em sua companhia. Depois de algum tempo me entedio e busco a
janela. Algo lá fora parece me chamar enquanto vago pela casa conversando com a
Insônia. Lentamente me dirijo à persiana e espio por entre suas frestas, sem
grande alarde para não provocar ciúmes na primeira das três damas.
Lá fora está a segunda e mais sensual entre
elas. Uma morena de cabelos negros e pele escura que me chama para sair
escorada num poste de luz. Seu nome é Rua e ela não perde tempo, assim que piso
fora de casa ela me beija e sinto todo o prazer de seu hálito fresco. Sua
companhia é libertadora, com ela minha alma parece renovada e mais disposta a
se expressar.
Sua figura me inspira, rimas deslavadas e poemas
descuidados desprendem-se dos meus lábios enquanto contemplo sua beleza. Junto a ela as emoções se expandem, corremos e dançamos ébrios pela
noite, despistando as pesadas preocupações que ficam para trás. Cansados,
paramos sorrindo para respirar um instante, mas quando ensaiava uma canção desafinada para ela percebo a aproximação da terceira dama além da curva da esquina.
A luz que a antecede denuncia sua presença, cria
expectativas, pois a visão completa desta dama é encantadora. Seu brilho rouba
a cena da Rua e sou obrigado admirá-la por um longo tempo. Chamam-na de Lua,
embora não atenda por nome algum. É uma mulher distante, cheia de insondáveis
mistérios. Em geral súplicas e declarações não surtem efeito junto a ela, mas
nestas noites distintas, apesar da sua reserva, me acompanha atentamente.
Este mágico instante parece durar para sempre,
enquanto falo e discorro sobre todo tipo de leviandades ela apenas me encara e
sorri levemente. É uma ouvinte nata, que me questiona e interpela apenas com
seu olhar reflexivo. E após alguns minutos da mais pura compreensão ela
afasta-se, deixando-me só com minhas inquietações. Porém estas não parecem mais
tão importantes quanto antes, sinto-me muito mais tranquilo, quase sonolento.
Despreocupado e sereno, anseio agora pela cama
que me espera. Despeço-me da Rua, que me sorri sem parecer disposta a parar tão
cedo. Ao entrar não vejo a Insônia, apenas seu rastro de cinzas e louça suja
pela casa. Todavia, deitada na cama encontra-se a última dama da noite, a única que não me procura, justamente onde a deixei.
Ela respira suavemente ao passo que dorme um
sono sem mácula, seu corpo seminu encaixa-se perfeitamente ao meu. Enlaço meu braço
sobre sua cintura, sinto o perfume de seus cabelos e o calor de sua pele. Lentamente minha consciência se esvai enquanto relaxo em sua companhia, rumo ao sono profundo de uma
noite habitual.

