Noite de verão, um calor intenso e uma umidade não precipitada pesam no ar. Não conheço melhor maneira de começar a escrever do que a descrição do ambiente, acho que é uma fórmula fácil, um clichezão barato, mas que possui suas finalidades e praticidades, como a localização rápida dos personagens no cenário. Saio para a varanda na expectativa de refrescar a mente e curtir o céu, mas não há estrelas, uma barreira de nuvens escuras se interpõe às constelações.
Tento fugir do estilo, se é que possuo um, porém minhas limitações impedem. Ouço um vizinho insone lavando suas roupas durante madrugada num andar superior, talvez ele relaxe sua mente através do trabalho doméstico. Meu cigarro insiste em apagar, talvez seja melhor mantê-lo assim, tem um cara com um tubo enfiado na garganta na contracapa do pacote. Meu avô morreu de câncer no esôfago.
Outro cacoete que me persegue, a autobiografia. Minha namorada afirma que meus contos são todos muito autorais, que não consigo me distanciar dos personagens. Enquanto isso morcegos chilram sobre minha cabeça, não tenho certeza se o som que o morcego emite pode ser considerado um chilro. Pouco importa. Acendo novamente o cigarro.
Escuto agora o som do chuveiro no andar da lavagem das roupas. Quem sabe meu vizinho não seja uma linda mulher que refresca seu corpo esguio deste calor grudento e opressivo. Ou talvez um gordo escroto que se masturba enquanto lava sua bunda imensa. Prefiro crer na primeira hipótese, fica mais bem escrito e é uma imagem melhor de se elaborar.
Após uns quinze minutos de reflexões, elaborações e autocrítica sinto-me mais leve e sonolento, perdi a vontade de escrever e me retiro para o interior do apartamento.

