quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Mais um Noir - Parte 3

O dossiê tinha lama suficiente pra sujar uma penca de deputados, meia dúzia de empresários e umas duas pastas do executivo. O rolo era tão grande que se chafurda-se mais espirrava até na governadora. Era um esquema imenso, envolvia desde obras com licitações escusas, passando por serviços de guinchos camaradas, até concessões de pedágios sem nada em troca. Como eu disse antes, um vespeiro daqueles que ninguém quer meter a mão. Não era a toa que o Marcos estava cagado quando nos encontramos, era preciso ter muito colhão pra publicar uma matéria destas num jornal pequeno como o nosso.

De volta ao meu muquifo, aguardei a ligação dela. Estava ansioso demais para fazer qualquer coisa, há tempos que não me sentia tão agitado. Já estava na quinta cerveja quando o telefone tocou ruidosamente contra o silêncio opressor do apartamento. “Te aguardo no Barato Bar” “Por que tu não vem aqui ?” “Não posso. Tu já está sendo vigiado.”. Desliguei, praguejei, calcei os sapatos e desci.

Na rua a noite era agradável, ótima para uma gelada e uma banda nas gurias. Mas o meu anjo me chamava, era preciso ir até o fim deste rolo. Caminhei tranqüilo, sem levar muita fé na história de estar sendo vigiado, mas os caras eram muito ruins, percebi-os sem fazer esforço. Também não fiz muita questão de despistá-los, se eles nos pegassem era uma forma rápida de descobrir a verdade. Mas a garota era esperta, no boteco não havia nem sombra dela.

Fui ao bar e pedi uma ceva, o garçom prontamente colocou um papel como porta copo no balcão e uma garrafa em cima. Através do casco escuro da garrafa lia-se “Saia pelo banheiro”. Na hora lembro-me de ter pensado, a coisa tá começando a ficar esquisita, mas a essa altura já tava fodido mesmo. Então com a maior naturalidade possível tomei mais um gole da minha ceva e me dirigi ao toalete masculino.

Confesso que não reparei se meus perseguidores haviam me seguido até ali, mas pouco importava, pulei através de uma janela basculante que nunca pensei que seria capaz de atravessar. Arquejante tirava a poeira das roupas quando um farol intenso me ofuscou, o carro deu a partida e encostou ao meu lado. Entrei sem olhar, sabia que era ela, estava começando a curtir aquela garota.

Rodamos algumas quadras antes dela começar a falar, disse que a coisa estava ficando séria, que não era sua intenção me envolver nessa trama, que agora eu estava correndo sérios riscos e que meu apartamento não era mais seguro. Olhava com atenção o movimento de seus peitos enquanto ela matraqueava. Devíamos ir a um motel então, sugeri na maior inocência, ela sorriu um sorriso malicioso e não falou mais.

Eu estava sendo completamente manipulado por aquela garota, e sabia perfeitamente disto, mas não tinha forças para reagir contra aquela trama. Cada ato meu parecia como uma ação premeditada dela. Era como se eu estivesse sendo tragado por um movimento circular inexorável que me impelia em direção a um buraco que me parecia cada vez mais fundo e sem sentido.