Acordei sem ver ninguém ao meu lado. Ela havia sumido. Comecei a me imolar, maldizendo minha ingenuidade. Vesti um calção e segui para a cozinha praguejando internamente. Subitamente estaquei sob o marco ao ver aquele lindo ser usando apenas uma das minhas camisetas. “Não tem nada antes do prazo de validade aqui?” Sorri de forma embaraçada como resposta, enquanto recompunha os cacos do meu ego. Havia preparado torradas, que encarávamos enquanto conversávamos mais tranquilamente.
Procurei em vão não abordar diretamente o assunto. Porém sou daqueles tipos incapazes de dissimulações ou amenidades. Mantive o silêncio enquanto foi suportável, na seqüência despejei sobre a coitada uma pá de perguntas. Muitas ficaram sem respostas. Com muito custo descobri que chegara até mim através de um artigo que havia escrito antes de me afastarem, que seu fato novo consistia em uma ligação que recebera instantes antes da morte do seu amante político, e que me procurara somente agora, pois as ameaças só começaram neste ano eleitoral. Uma penca de mentiras cretinas saídas da mais linda boca que vira nos últimos tempos.
Permiti aquela ladainha enquanto durou sua breve estadia. Despedi-me com um beijo desajeitado e me pus a elaborar uma solução para toda aquela sandice. Se estivesse dizendo a verdade seria um imenso furo jornalístico, daqueles de sair em capa de revistas ordinárias com várias páginas de reportagem. Deveria investigar, mas não poderia ser verdade, seria sorte demais para mim. Fiquei por um tempo sem saber o que fazer, andando de um lado para outro, desconfiado como o santo naquela história da esmola. Por fim decidi que deveria ao menos descobrir mais sobre a garota. Devia ter seguido ela. Estaria em tempo ainda?
Desci correndo pelas escadas, praguejando contra mim pela segunda vez no dia, ganhei a rua e olhei em volta na esperança de encontrá-la. Havia sumido. Teria de aguardar seu contato como combinado. De volta ao apartamento fiz algumas pesquisas sobre o caso e uns contatos com colegas da redação. Nada de muito interessante surgiu desta empreitada, perguntei sobre uma suposta quebra do sigilo telefônico do assessor, mas ninguém sabia nada a respeito. Ao fim da manhã consegui falar com o repórter que era o principal responsável pelo caso no jornal, marcamos um encontro num café às 15 horas.
Quando abordei o assunto Marcos imediatamente solicitou o encontro e não permitiu mais nenhuma palavra. Era um tipo estranho, daqueles dedicados ao extremo, quase obcecados com suas tarefas. Ao pisar no café percebi seu nervosismo, transpirava de tanta ansiedade, estava sentando numa mesa ao fundo, no canto mais escuro do local. “Eu nunca te dei isto! E nego até a morte se for preciso.” Levantou-se e rapidamente saiu porta afora. Sobre a mesa estava um calhamaço imenso com uma folha de rosto em branco. Pedi um expresso e acendi um cigarro enquanto folhava aleatoriamente algumas páginas do relatório...

