Os lençóis grudavam no corpo devido ao calor opressivo, no teto o ventilador girava sem refrescar. Aquela história maluca na minha cabeça não deixava o sono chegar, estava me sentindo num daqueles filmes noir. Já me imaginava em preto e branco, narração em off, um plano vindo de cima, passando pelas pás do ventilador e enquadrando a mim e a deusa deitada ao meu lado na cama.
Todos os clichês estavam presentes; a moça linda e misteriosa, a trama confusa e o caso sem solução. Faltava apenas o detetive particular, solitário e obcecado, cujo papel eu não me encaixava. Na época eu trabalhava de repórter policial de um jornal menor, e estava temporariamente afastado devido a problemas de saúde. Enquanto isso, aquele lindo ser respirava suavemente durante o sono, mas sua história não fazia sentido algum.
Assistia os melhores momentos do jogo quando o interfone tocou, esperei tocar novamente na esperança que fosse um engano. Não era. Ainda não sei bem como ela me convenceu a deixá-la entrar, talvez tenha sido aquele rosto angelical sustentado por um corpo magnífico, ou talvez o medo estampado em seu olhar tenha me comovido. O certo é que ela entrou, e entre lágrimas narrava desordenadamente um assassinato e um complô para matá-la. Eu não ia entendendo nada e já me convencia de que era maluca ou estava drogada. Na primeira menção que fiz de me livrar dela, começou a chorar e soluçar compulsivamente. Abracei-a paternalmente para acalmá-la, após alguns instantes de abraço parecia tranqüilizar-se. Retribuiu meu abraço com um pouco mais de intensidade, apertou minha bunda e tentou enfiar sua língua na minha boca. Resisti bravamente enquanto pude; argumentei que aquilo não estava certo, que eu estaria tirando vantagem da situação, que ela era muito nova para mim, enfim, nada que resistisse aquela volúpia que apenas as mulheres desesperadas possuem.
Na cama, antes de apagar, me contou que tivera um caso com um assessor do governo que fora assassinado, que sabia de coisas que ninguém sabia e por isso queriam eliminá-la. O nome do assessor era muito bem conhecido das páginas de política. A coisa virou policial quando seu carro foi encontrado abandonado numa ponte sobre o lago Paranoá, o corpo, alguns quilômetros abaixo, passou por uma penca de legistas, mas nenhuma autopsia foi conclusiva. Por uma incrível coincidência do destino, o cara era pivô de um escândalo político e estava as vésperas de prestar um depoimento para a policia federal. As últimas novas que eu tinha ouvido eram sobre a intenção da policia civil de encerrar o caso e declarar o suicídio do sujeito. Ou seja, um vespeiro imenso, daqueles que ninguém quer meter a mão.
Imaginei que ela trazia um fato novo que comprova-se o assassinato do político, talvez tivesse presenciado o crime, ou quem sabe possuísse uma carta do tipo “Se algo me acontecer divulgue isso”. Porém o mais estranho era que o caso já estava fazendo aniversário. O que a teria levado a esperar tanto para buscar ajuda? Qual seria sua participação no esquema? Por um bom tempo fiquei apenas ali deitado, pensando na veracidade daquelas palavras e nos próximos passos que daria caso decidisse ajudar aquele lindo anjo. No fundo sabia que já estava atolado nessa até o pescoço.
Continua...

